segunda-feira, março 19, 2012

Pega-pega (média-metragem)

CENA 1. INT. DENTRO DE UM TEATRO. DIA

Dois atores e um diretor estão sobre o palco. Na platéia, estão sentadas pessoas da produção e MARIA EDUARDA, que anota num bloquinho.

ATOR 1 – Filha minha não casa com filho de jogador!

ATOR 2 – Então fique sabendo que Marialva não é sua filha!

DIRETOR – Ok. Excelente! Podem descansar meninos.

O ATOR 1 desce do palco e vai em direção a EDUARDA, que se levanta.

ATOR 1 – Oi, você é da revista, né?

EDUARDA – (estendendo a mão) Isso, Maria Eduarda, tudo bem? Você tinha me dito que a peça era de arte. Eu achei mais pra comédia.

ATOR 1 – (dá dois beijos nas faces de Eduarda) É... Comédia, arte... É aquele negócio de comédia del´arte, sabe?

CENA 2. INT. QUARTO DE MARIA EDUARDA. DIA

MARIA EDUARDA está dormindo. Seu quarto é pequeno, mas arrumado. Há uma cama de solteiro, um criado-mudo, uma poltrona e um armário. Sobre o criado-mudo há um telefone, um abajur, um iphone e alguns livros. A luz da manhã entra pelas frestas. Quando o TELEFONE TOCA, ela acorda assustada, mas logo atende.

MARINA (V.O.) - Eduarda, menina, você a-rra-sou!

EDUARDA (Checando as horas) - Eu? Oi, Marina, que que eu fiz?

MARINA (V.O.) - Como assim? Acorda, Maria Eduarda! Acabei de ler a

matéria sobre o Guilherme. Cara, eles vão ficar muito bravos! E a foto da capa, então? É o máximo!

EDUARDA sorri, se espreguiça e continua na cama, conversando animadamente ao telefone, sem som.

CENA 3. EXT. RUA. DIA

EDUARDA andando na rua. Chega numa banca de jornais. O jornaleiro, seu FLÁVIO, está arrumando umas revistas.

EDUARDA - Bom dia, seu Flávio, leu minha matéria?

FLÁVIO - Ainda nem tive como ver a revista hoje, menina. Cadê?

EDUARDA pega a revista e mostra a capa para seu Flávio.

EDUARDA - Minha primeira capa. E a reportagem tá aqui ó. Deu um trabalhão. Fiquei mais de dois meses atrás desses caras. Mas valeu. Consegui provar que o sujeito posa de galã, mas é uma bichinha.

FLÁVIO (olhando a matéria) - Ah, quer dizer que o moço da novela tem um namorado de 16 anos!? Mas que besta! Ele podia ter a mulher que quisesse! Que beleza, heim? Vou deixar a revista bem aqui na frente. Vai vender como água... Mas como você conseguiu pegar o moço?

Alguns clientes ficam por ali discretamente para a ouvir o relato de EDUARDA.

EDUARDA - Bom, primeiro eu fiquei sabendo da história perguntando aqui e ali, para os amigos dele... e os inimigos, claro (ri). Mas eu peguei os dois mesmo numa festa...

CENA 4. INT. CASA ONDE ACONTECE UMA FESTA. NOITE

EDUARDA anda pelo imenso salão observando atentamente os convidados e a decoração. Os garçons estão fantasiados de Marilyn Monroe, Madonna e odaliscas. A decoração é exagerada, quase cafona. A música está bem alta. Os convidados conversam em rodinhas. Mais ao fundo, em uma sala toda envidraçada com vista para o jardim e para a piscina, algumas pessoas dançam.

CENA 5. EXT. JARDIM DA CASA DA FESTA. NOITE

MARIA EDUARDA sentada num banquinho ao lado de dois garotos. Os três tomam champanhe.Podemos ouvir a música dançante da festa. Entre os arbustos, canhões jogam luzes coloridas para todos os cantos.

EDUARDA - (fingindo-se encantada) - Mas vocês conhecem mesmo o Guilherme Rocha? De verdade? Já falaram com ele?

RAPAZ 1 - Claro que sim! Ele vive nesses eventos de Copa. Não tem um que ele não vá.

EDUARDA - Mas que tipo eventos?

RAPAZ 1 - Gays, ora!

EDUARDA (fingindo espanto) - Ah! Ele é gay? Mas como é que ninguém nunca fala dessas coisas? Nunca sai nos jornais, nas revistas...

RAPAZ 1 (solta uma risada) - Porque ele é esperto. Primeiro que nessas festas jornalista não entra. Os que vão, ou são gays ou amigos dos gays. Depois que ele só aparece nas festas de madrugada, quando sabe que não tem perigo. Fora que não sai nada no jornal sem o Guilherme ou aquele assessor dele saberem. Ele não perde uma festa e o Marcos sempre vai junto.

EDUARDA - Marcos? Quem é?

RAPAZ 1 - O namorado do Guilherme, ora!

RAPAZ 2 (dá uma ombrada no RAPAZ 1) - Para com isso, cara! Vai entregar toda a ficha do sujeito?

RAPAZ 1 - Ih, que é que tem? Tem um espião ouvindo a gente, por acaso? Que paranóia, credo. Uma fofoca light nunca matou ninguém.

EDUARDA (concorda com a cabeça) - Mas conta mais desse Marcos aí. O que ele faz da vida?

Contrariado, RAPAZ 2 se levanta e vai em direção à casa. Quando o RAPAZ 1 vai começar a falar, EDUARDA ajeita a bolsa discretamente.

CENA 6. EXT. JARDIM DA CASA DA FESTA. NOITE

EDUARDA passeia pelo jardim como se estivesse procurando algo. Vê um grupinho ao longe, em volta da piscina. Fica observando meio escondida por uma árvore. Ela tem uma taça cheia de champanhe na mão. Bebe um gole. CORTE. Eduarda, agora com a taça vazia na mão, vê GUILHERME e MARCOS se separando do grupo. Ele caminham abraçados, conversando e se dirigem a uma parte mais escura do jardim.

CENA 7. EXT. JARDIM DA CASA DA FESTA. NOITE

Detrás de uma árvore, EDUARDA vê MARCOS beijando GUILHERME. De tempos em tempos, um dos canhões joga uma luz sobre o rosto do ator. EDUARDA tira uma câmera do bolso. Põe só a cabeça para fora de seu esconderijo e fotografa no momento em que a luz atinge o rosto de GUILHERME. EDUARDA se esconde atrás da árvore. Segundos depois, tira outra foto e depois outra. Quando vai embora toda feliz, EDUARDA checa o gravador na bolsa, pega o celular e começa a discar.

CENA 8. INT. REDAÇÃO DA REVISTA. DIA

EDUARDA entra cantarolando.

REPÓRTER - O Olavo pegou seu recado e a Marcela está histérica pra saber dos detalhes da festa. Melhor você correr lá na sala que eles tão te esperando.

EDUARDA dá um sorriso, deixa a bolsa displicentemente sobre sua mesa e vai para a sala da diretora de redação.

CENA 9. INT. SALA DA DIRETORA DA REVISTA. DIA

MARCELA, a diretora, está sentada em sua escrivaninha e mexe no computador. OLAVO, o editor, está sentado de frente para a mesa.

OLAVO (em tom de censura) - Finalmente, a nossa repórter.

EDUARDA - Desculpem... Mas eu fiquei na festa até cinco da manhã...

MARCELA - E?

EDUARDA - Guilherme Rocha está namorando mesmo aquele Marcos. Fiquei sabendo que ele quer ser ator. Eles se conheceram há uns quatro meses quando o Marcos fez um teste para A Conquista do Paraíso.

MARCELA (com um ar meio blasè) - Você tem certeza?

EDUARDA - Eu vi os dois se beijando. Tenho frases de amigos deles...

MARCELA - Você sabe que isso não é suficiente para nós.

EDUARDA - Eu tenho fotos! Não sei se estão boas...

MARCELA - Por que não falou logo, garota? Então traz já essas fotos aqui. E pode começar a escrever a matéria. Entra nesta edição. Capa!

EDUARDA vai saindo meio insegura.

MARCELA (fala para a redação inteira escutar)- Olha, garota, se essa história não for verdadeira, nem precisa voltar pra redação amanhã!

CENA 10. EXT. BANCA DE JORNAIS. DIA

VOLTA PARA A CENA 3. O jornaleiro, atento a EDUARDA, dá o troco para uma moça, as pessoas da cena 3 ainda ouvem a história.

EDUARDA - Pô, minha chefe é uma verdadeira vaca. (imitando Marcela) Nem precisa voltar aqui amanhã... Agora, dizer que a matéria ficou do cacete, que eu mereço um aumento, que por minha causa a revista vai vender horrores, isso nada!

JORNALEIRO - Vai vender muito, garota. Você vai ver.

EDUARDA (para si mesma) - Vai vender, mas o que eu ganho com isso?

CENA 11. INT. REDAÇÃO. DIA

Sentada em frente a sua mesa, EDUARDA fala ao telefone.

EDUARDA - Mas Nenê, coração, é minha obrigação esclarecer as coisas para os meus leitores... (ouve) Claro que eu não tenho nada contra os gays, o que você acha? A gente não é amigo há mais de 5 anos? (ouve) Claro que eu não exporia você. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ele é famoso. E fica posando de macho... (ouve) Tá, ele tem o direito. Mas se ele quisesse privacidade, não estaria na tevê todo dia, não circularia por aí com meninas que fingem ser suas namoradas... (ouve fazendo caretas de quem está sem paciência) Mas... Nenê... (quase histérica) Bom, se você não gosta, azar, é o meu trabalho! Alô, Nenê...

EDUARDA desliga o telefone e faz cara de resignada. Depois tira de novo o bocal do gancho. Disca um número.

EDUARDA – Boa tarde, eu queria falar com o Alberto Munhoz, por favor... Oi, Alberto, aqui é a Maria Eduarda Gois, da revista Flagra... (ouve) Fui eu... fui eu que fiz a matéria... (ouve) Eu sei que o Guilherme deve ter ficado chateado, Alberto, mas eu preciso saber se ele tem alguma coisa a dizer...

EDUARDA coloca o telefone no gancho e fala para REPÓRTER ao lado.

EDUARDA - Se mais alguém bater o telefone na minha cara eu vou chorar.

REPÓRTER – Foi você quem pediu...

EDUARDA olha para REPÓRTER com desdém e atende o telefone que TOCA.

EDUARDA - Sim?... (ouve) Oi, tudo bom?... (ouve) Como eu consegui o furo do Guilherme? Bom, fazendo reportagem, né?, querida, indo atrás, virando noites sem dormir, abusando da cara de pau... (ouve) O telefone? Não dá, os... meninos pediram segredo... (ouve) O contato do assessor? Olha, o nome dele é Alberto, mas o tel eu não tenho... (ouve) É, não anotei porque ele não ia querer falar comigo mesmo... Mas liga lá na emissora que eles te passam... (ouve) Beleza... (ouve) Imagina, pra você também... (desliga) Bando de preguiçosos! (Para repórter) Ela queria simplesmente que eu desse o telefone e endereço de todas as minhas fontes. É o fim!

CENA 12. EXT. PRAIA. DIA

EDUARDA e sua amiga MARINA na praia lotada num fim de semana.

MARINA - Eu não aguento mais meu chefe. Ele nem ouve direito o que eu falo e ainda por cima vive olhando pras minhas pernas e pros meus decotes. Eu agora só vou trabalhar de blusão e calça jeans folgada, mesmo quando está um calor de 100 graus! Haja.

EDUARDA - Nem me fale. A minha é uma pentelha. Sabe que eu não ganhei nem um aumento pelo furo do Guilherme? E olha que foi a maior venda da revista este mês. Tudo bem que agora eu sou (enfatiza) um pouco mais respeitada nas reuniões de pauta... E o Olavo conseguiu um bônus pra mim. Vai dar para pagar o inglês...

MARINA - Ih, eu já desisti de aprender inglês.

EDUARDA - Que é isso? Quer passar o resto da vida fazendo matéria de defunto pro caderno de cidades? Eu, heim! Tô fora.

CENA 13. INT. REDAÇÃO. DIA

EDUARDA está em sua mesa digitando. Sobre a mesa, umas revistas. Uma delas tem como manchete: Ator da Novela das Oito Perde o Emprego. OLAVO se aproxima.

OLAVO - O Guilherme conseguiu se livrar do processo. O juiz achou que apesar de ser menor, Marcos não é mais tão criança assim.

EDUARDA - Ainda bem. Pelo menos não vou ter que cobrir o julgamento. Esse cara já deve me odiar muito. E seria um absurdo ele ser processado, né?

OLAVO - Com certeza. Ah, e outra boa notícia: o Guilherme não vai processar a editora. Descobriu que nem adianta tentar. Ou seja, perdeu o emprego na TV e ficou sem a grana que achou que ia tirar da gente.

EDUARDA - Coitadinho. Vou ligar lá e ver se ele quer um empréstimo...

OLAVO - Esse já era. Melhor você olhar bem antes de atravessar a rua...

OLAVO e EDUARDA caem na gargalhada demonstrando intimidade. OLAVO se afasta e EDUARDA olha o jornal que está sobre sua mesa. Ela tira uma tesoura da gaveta e recorta uma nota que tem como título: Pombinhos proibidos.

EDUARDA (para si) - José Luiz Mendonça e Marta Gioconda. Tem que ser.

CENA 14. (SÉRIE DE PLANOS) EXT./INT. FRENTE DA CASA DA ATRIZ. NOITE/AMANHECER

EDUARDA (com a mesma roupa da cena anterior) está encostada em um carro, observando a casa. / EDUARDA comendo dentro do carro. / EDUARDA dormitando no carro. / EDUARDA bebendo um café fora do carro. / EDUARDA fumando um cigarro. / EDUARDA vendo o amanhecer com cara de exausta.

CENA 15. EXT/INT FRENTE DO PRÉDIO DO DIRETOR DE TV. NOITE

EDUARDA (com roupa diferente da cena anterior) atende o celular.

EDUARDA – Alô... (ouve) Não, Marina, agora não dá. Tenho que ficar aqui caso eles cheguem... (ouve) A mulher dele só volta amanhã. Vou pegar os dois no flagra, você vai ver... (ouve) A noite toda de novo se precisar... (ouve) Isso, me faz uma visitinha...

(SÉRIE DE PLANOS) EDUARDA comendo um sanduíche. / EDUARDA ouvindo música no carro. / EDUARDA lendo uma revista. / EDUARDA fala ao celular.

EDUARDA (desiludida) – Marina? Tô indo embora. O pentelho chegou sozinho. Vamos sair?... (ouve) Você já está na cama?... (ouve) É, eu sei que são três da manhã... (ouve) Não, eu não posso amanhã, tenho que ficar aqui de tocaia.

CENA 16. EXT. FRENTE DA CASA DA ATRIZ. NOITE

Agachada atrás do carro, EDUARDA observa um carro que estaciona do outro lado da rua. Dentro, um casal (o diretor e a atriz) conversa num clima de intimidade. EDUARDA abre um sorriso, pega o celular e tecla.

CENA 17. EXT. FRENTE DA CASA DA ATRIZ. NOITE.

EDUARDA ainda está agachada atrás do carro. Quando vê o fotógrafo chegando na esquina, faz sinal para ele se abaixar também. Ele vem abaixado, escondendo-se atrás dos carros, até onde ela está. Eles se cumprimentam com dois beijinhos, agachados.

RODRIGO (meio de gozação) - Caramba, Eduarda, pauta domingo à noite?

EDUARDA - Pô, e eu que passei o fim de semana todo aqui!? Eles estão ali. (ela aponta o carro estacionado do outro lado da rua.)

RODRIGO arruma a câmera e se levanta para conseguir enxergar melhor os dois. Ele atravessa a rua e fica esperando bem perto do carro do casal. Quando o DIRETOR e a ATRIZ começam a se beijar, RODRIGO faz uma série de fotos pelo vidro traseiro do carro. O flash espoca várias vezes. Só depois que ele tira várias fotos, o DIRETOR sai do carro e vai na direção dele, gritando. RODRIGO corre para EDUARDA, que está dentro de seu carro, já ligado. Ele entrega a câmera para ela pela janela. O FOTÓGRAFO continua descendo a rua com o DIRETOR atrás dele. EDUARDA vai embora com a máquina fotográfica.

CENA 18. INT. REDAÇÃO. NOITE

MARIA EDUARDA está ao telefone quando RODRIGO chega.

EDUARDA - Pois é, Olavo, consegui. Peguei os safados. O Rodrigo fez as fotos, tá tudo certíssimo. (ouve) Beleza, fechamos amanhã, então.

RODRIGO - Ô, Eduarda, tinha que me deixar lá sozinho?

EDUARDA - Conseguiu se livrar ou apanhou da fera?

RODRIGO - Ih, aquele cara não é de nada. Assim que você foi embora, ele desistiu de correr atrás de mim. Acho que percebeu que não adiantava mais.

EDUARDA – Vai, mostra as fotos!

RODRIGO (pegando a câmera da mesa) - Você odeia muito esse povo, não?

EDUARDA (olha as fotos) - Eu não. Para odiar a gente precisa se importar. Essa aqui ficou boa... Eu quero mais é que eles se danem. E depois vêm com essa história de privacidade. Ai, preciso garantir meu espaço... Ah, por favor! Quem quer privacidade não vira ator, não se expõe na tevê todas as noites. Quando interessa, quando é pra ganhar viagem, comida, um jabazinho de empresa de celular, eles vêm correndo. Só que isso só vende na Caras. Aqui a gente tem que falar mal para vender. E a gente está aqui para vender, certo? RODRIGO - Certo. Eu também não tenho nada contra eles. Mas tenho o direito de tentar a foto, né? E eles têm o direito de fugir (ri). É um jogo. Eles querem se esconder, as pessoas querem ver e eu quero mostrar. Tá tudo certo. Eles ganham bem pra isso.

EDUARDA (concordando com a cabeça) - E a gente não. Mas não tô nem aí. Até porque não pretendo ficar nessa história de fofoca por muito tempo.

CENA 19. EXT. FRENTE DO PRÉDIO DO DIRETOR DE TV. DIA

EDUARDA vai ao encontro de ROBERTA, uma moça que chega da praia acompanhada de uma BABÁ e uma CRIANÇA num carrinho.

EDUARDA - Oi, Roberta, desculpa atrapalhar seu passeio. Eu sou a Eduarda, da revista Flagra. Eu te liguei mais cedo...

ROBERTA (rispidamente) - O que você quer aqui? (para a babá, apontando a criança) Leva ela lá pra cima e vê se o Luizinho tá se aprontando pro almoço. (para Eduarda) Eu já te falei tudo pelo telefone. Essa história é absurda, o Zé Luiz jamais faria isso comigo. E a Marta é minha amiga. Agora some.

ROBERTA entra no prédio. EDUARDA está anotando num bloquinho quando seu celular toca. Ela faz uma cara de intrigada.

CENA 20. INT. SALA DA DIRETORA DE REDAÇÃO/REDAÇÃO. DIA

EDUARDA e OLAVO entram na sala de MARCELA. OLAVO traz alguns papéis nas mãos.

OLAVO (animadíssimo) - Está tudo aqui, Marcela. Parece que o Atílio Mascaro assaltou um banco no Uruguai e foi mesmo preso. A gente tem até matéria dos jornais da época. Esse Atílio mexia com drogas e era da pesada. O cara teve que trocar de nome pra virar ator. Sabe como ele chamava? Marcelo Mendes Penido! O sujeito nos mandou um dossiê completo.

MARCELA - Mas quem é esse sujeito?

EDUARDA - Ele não quis dizer. Só disse que detesta o Atílio. Parece que o Atílio era namorado da irmã dele e deixou ela morrer de overdose quando os dois estavam no Uruguai. Por isso o sujeito montou o dossiê.

MARCELA - E por que ele mandou pra você? Por que agora?

EDUARDA - Ele disse que gostou da matéria do Guilherme. Ele deve ter raiva desses atorzinhos folgados e achou que eu posso desmascarar o Atílio.

MARCELA - Bom, Olavo, distribua a apuração entre os repórteres. Quero tudo bem checado. A gente não tem tempo de ir ao Uruguai, mas vamos pegar a história daqui mesmo. Ah, a matéria da Marta e do Zé Luiz está pronta? (Olavo faz que sim com a cabeça) Passe pra eu ler. E corram com essa história. A gente tem que fechar às duas da manhã e eu não posso atrasar na gráfica. Semana passada a gente tomou uma multa de doze mil reais!

MARCELA volta a ler uma revista de decoração que está sobre sua mesa. OLAVO e EDUARDA saem para a redação.

OLAVO - Julio, Mariana e Priscila, preciso que vocês ajudem a Eduarda numa apuração.

Os JULIO, MARIANA E PRISCILA levantam de suas mesas e se dirigem à mesa de OLAVO. Eles para olham EDUARDA meio irritados.

CENA 21. INT. REDAÇÃO. DIA

JULIO está em sua mesa com o telefone na mão. OLAVO passa.

JULIO - Pô, Olavo, desse jeito nenhum ator vai querer falar com a revista. A gente só detona. Vai ser impossível trabalhar. O assessor do Atílio acabou de dizer pra eu nunca mais ligar pra ele.

OLAVO dá de ombros.

JULIO (para si) – Bom, então vou checar a história pela internet...

CENA 22. EXT. EM FRENTE AO PRÉDIO DE ATÍLIO. DIA

EDUARDA, com o gravador na mão, vê ATÍLIO chegando da praia e vai até ele. O ator está ao celular, mas assim que vê Eduarda desliga.

EDUARDA (escondendo o gravador) - Oi, Atílio, Maria Eduarda, da revista Flagra, tudo bem?

ATÍLIO (simpático, mas sem parar) - Oi, Maria Eduarda da revista Flagra. O que você quer comigo?

EDUARDA - É que a gente recebeu umas informações na revista e queria saber se é verdade. Me disseram que você foi preso no Uruguai há uns anos...

ATÍLIO (fingindo surpresa) - No-no-no-no Uruguai? Eu? É... Não... Não, não. Eu nem nunca fui pra Montevidéo... Nunca... Acho melhor você falar com meu assessor, ok? (entra no prédio)

CENA 23. INT. SALA DA DIRETORA DE REDAÇÃO. DIA

OLAVO, MARCELA e MARIO, o chefão, estão reunidos. EDUARDA entra.

EDUARDA - Falei com o Atílio. Ele não sabia onde se enfiar. Ficou vermelho, gaguejou, um horror.

OLAVO - A Priscila também checou lá no Uruguai e a história é verdadeira. Esse cara quando chamava Marcelo Penido aprontou muito por lá.

MARIO - Bom, o advogado está vendo os documentos. Ele acha que a gente não vai ter problemas. Se ele aprovar tudo, vale capa.

MARCELA - Com certeza. E damos um slash com a matéria do casal infiel.

OLAVO (sorrindo) - Se os chefes estão dizendo...

CENA 24. EXT. EM FRENTE À BANCA DE JORNAIS. DIA

EDUARDA está parada do lado da banca vendo muita gente comprar a revista e comentar sobre suas reportagens. Ela sorri e dá uma piscada para o jornaleiro.

EDUARDA - Eu ainda vou te deixar rico, seu Flávio.

Cena 25. INT. QUARTO DE EDUARDA. DIA

EDUARDA está dormindo. Ouvem-se a CAMPAINHA, o TELEFONE, o INTERFONE e o CELULAR tocando ao mesmo tempo. EDUARDA atende o telefone meio dormindo.

EDUARDA - Alô? (ouve) Oi, Olavo, tudo bem? (ouve) O quê? Como? (ouve) Você tá maluco, como assim? (ouve) Espera um pouco que eu tô indo praí.

CENA 26. INT. REDAÇÃO. DIA

EDUARDA entra na redação. Todos olham para ela. Alguns com cara de pena, outros de vingança. Ela ignora todos e vai direto para a sala da diretora.

CENA 27. INT. SALA DA DIRETORA DE REDAÇÃO. DIA

OLAVO, MARCELA, MARIO e ADVOGADO falam ao mesmo tempo. Eles se calam quando EDUARDA coloca a cabeça para dentro da sala.

OLAVO (para Eduarda) - A gente vai se ferrar.

EDUARDA (entrando) - Vocês podem me dizer o que aconteceu?

OLAVO - O Marcelo Mendes Penido que foi preso no Uruguai nunca foi o Atílio Mascaro. Era um homônimo. O advogado do Atílio ligou pra cá. Está entrando com um processo hoje!

EDUARDA - Então, o cara que mandou o dossiê quis ferrar com a gente?

MARCELA - Com a gente? Ou com você? Ah, e antes que eu me esqueça. A história do caso entre Marta Gioconda e José Luiz Mendonça também era bobagem. Ele, a mulher, a própria Marta e o marido apareceram na tevê de manhã e disseram que tudo não passou de fofoca. Que o diretorzinho e a Marta se beijam na boca desde que estudavam teatro, que isso é muito comum e que a gente é que é jeca... A concorrência vai deitar e rolar. EDUARDA - Mas péra aí, gente, o beijo que eu vi não era nenhum cumprimento. Era um beijão de verdade. A gente fotografou.

MARCELA - Bom, Maria Eduarda, agora não importa, né? Eles apareceram todos juntos, negaram tudo, estão felizes. E todo mundo está ridicularizando a revista por sua causa...

EDUARDA (baixinho para OLAVO) - Pelo menos o Guilherme é gay, né?

ADVOGADO - Ridicularizar não é nada. Esse tal de Atílio pode tirar uma fortuna da editora por causa dessa história. E esse casal aí com certeza vai entrar com processo.

EDUARDA - Mas não foi o senhor mesmo que disse que estava tudo bem?

ADVOGADO - Estaria tudo bem se você tivesse pegado a pessoa certa, ora.

MARIO (para Marcela) - Bom, agora o jeito é minimizar o prejuízo. Vocês podem dar uma carta na próxima edição dizendo que foi um mal entendido, que a revista nunca quis denegrir a imagem de ninguém, que a gente tem imenso respeito pelos famosos, que nossas reportagens são checadas e rechecadas, mas que erramos, e que a pessoa que fez isso já não trabalha mais para a revista! (sai)

OLAVO, MARCELA e ADVOGADO olham para EDUARDA, que está encurralada num canto da sala, sozinha.

CENA 28. EXT. CALÇADÃO DE IPANEMA EM FRENTE AO PRÉDIO DE ATÍLIO. DIA

EDUARDA, cabisbaixa, vem andando. A praia está cheia. Quando ela passa por um orelhão, ele começa a TOCAR. Ela atende.

ATÍLIO (V.O.) - Que bom falar com você, Maria Eduarda, da revista Flagra... Ai, querida, esqueci que você não trabalha mais na Flagra, né?

EDUARDA - Quem é?

ATÍLIO (V.O.) - Oh, tristeza, minha repórter favorita, não reconhece a minha voz. Dê uma olhadinha aqui pra cima, quem sabe assim você se lembra...

EDUARDA olha para o prédio do outro lado da rua. Seu olhar vai subindo da portaria até a cobertura, onde ela vê pessoas acenando da varanda.

CENA 29. INT. VARANDA DO APARTAMENTO DE ATÍLIO. DIA

ATÍLIO fala ao telefone. Ao seu redor, GUILHERME, MARCOS, MARTA, JOSÉ LUIZ e ROBERTA estão reunidos e ouvem a conversa no viva-voz.

ATÍLIO - A gente está aqui, querida. O Guilherme, o Marquinhos, namorado dele, você lembra, né?, a Roberta, o Zé Luiz, a Martinha... Pena que a gente não pode te convidar pra subir... Sabe o que é? Estamos indo pra Angra gastar o dinheiro dos processos contra a sua ex-revista. (todos gargalham) Eu não gostava de você por causa do que você fez com o Gui, mas depois disso tudo, estou amando. Quando quiser que a gente invente outras historinhas, é só pedir, viu? Pelo menos talento a gente tem, né? Beijinho.

CENA 30. EXT. CALÇADÃO DE IPANEMA EM FRENTE AO APARTAMENTO DE ATÍLIO. DIA

EDUARDA olha para a varanda do apartamento de Atílio e vê o grupo se servindo de champanhe e brindando.

FIM

sexta-feira, abril 10, 2009


Lago Annecy, de Cezanne Posted by Picasa

Arte-cinema

Roteiro de dois minutos baseado no quadro Lago Annecy, de Cezanne.


“VOLTA” (2005)


EXT-ESTRADA DE TERRA-DIA
MOÇA com uma mochila nas costas, anda rapidamente numa estrada, bufando, cansada. A moça tem uns 30 e poucos anos, mas parece envelhecida antes do tempo, com o rosto bastante queimado e enrugado e as costas arqueadas. Suas feições estão severas. Suas roupas, que um dia foram boas, estão rasgadas e empoeiradas. A estrada é no alto do morro, faz uma curva e segue em direção a uma casa grande e antiga que fica no vale. Do lado oposto à casa há um grande lago azul. Ao longe, a moça começa a ver a movimentação e a ouvir os barulhos da casa para onde se dirige. Um casal passeia num barco no lago. Algumas crianças brincam e RIEM no gramado da casa, que é rodeado de flores, um rádio TOCA música, uma mulher CONVERSA com alguém. O rosto da moça vai se desanuviando, ela começa a andar mais rápido. Ela vê uma senhora pendurando roupas coloridas no varal.

MOÇA
(murmurando)
Rosa...

A moça olha para o pasto e vê uma adolescente galopando num cavalo, indo em direção à casa. A moça segue a garota com os olhos e coloca a mão na boca. Quase escondendo um sorriso, balança a cabeça.

MOÇA
Maria!... Virou mulher!

A moça está quase correndo agora. Ela tem um sorriso nos lábios e seu corpo está bem menos arqueado. Então, ela ouve uma voz de homem e pára subitamente. A moça chega perto da cerca que divide a estrada e o pasto e olha em direção à casa. Ela vê um homem de uns 55 anos, vestido de preto, no quintal, RALHANDO com Maria. Não é possível entender o que o homem diz, mas o tom é ríspido. A adolescente desce do cavalo e entra na casa de cabeça baixa.
A moça abaixa a cabeça. Uma gota molha o chão entre seus tênis rasgados e empoeirados. Ela coloca a mochila no chão, pega uma garrafa d'água de um dos lados da mochila, abre, bebe, joga água no rosto. Fica um tempo com a cabeça baixa, os pingos molhando o chão.
Então, a moça levanta a cabeça devagar e examina a casa de longe novamente.

MOÇA
Me perdoa, Maria.

A moça coloca a mochila nas costas e volta pela estrada na direção oposta à casa. Atrás dela, agora o quintal está vazio. Não há ninguém no lago. Não há roupas no varal, nem flores em torno do gramado. O mato está alto, a pintura da casa descascada. A impressão é de abandono.

FIM

quarta-feira, abril 08, 2009

Estranhos

(Roteiro de média-metragem baseado no conto homônimo de Sergio Sant´anna)


FADE IN:

INT.APARTAMENTO DE BOTAFOGO - NOITE
A mão de homem vasculha as gavetas de um armário embutido. Ele abre a última gaveta, retira um maço de papéis e, ao fechá-la, um caderno de jornal amarelado e amassado cai no chão. A mão pega o jornal e vê-se um anúncio de classificados que diz "Botafogo - aluguel baratíssimo - Dois quartos, play., pisc., dep. emp. Tel.: 2546-2309". O anúncio foi marcado com um círculo feito com uma caneta preta grossa.


INT.QUITINETE DE ANTONIO - DIA
A quitinete está decorada apenas com algumas caixas empilhadas pelos cantos e um sofá-cama, em que CLARICE olha os classificados do jornal enquanto faz tranças no cabelo comprido. Ela usa uma bata rosa, uma calça jeans justa e sandálias. CLARICE marca um dos anúncios com uma estrelinha de caneta esferográfica azul. ANTONIO sai do banheiro ainda fechando os botões da camisa e fica olhando a nuca de CLARICE por alguns segundos. Quando percebe a presença dele, ela se vira.

ANTONIO
Encontrou algum?

CLARICE
Tem um em Botafogo que parece bom...

ANTONIO
(cortando)
Mas parece bom ou é bom? Porque
eu já estou cansado de torrar minhas férias vendo porcaria.

CLARICE
Bom, o que você quer que eu faça se a gente só tem dinheiro pra alugar porcaria?

ANTONIO
(cínico, imitando CLARICE)
Bom, e a culpa é minha? Se um dia eu for promovido, a gente vai morar no Leblon, tá?

CLARICE
Agora que eu me formei vai ficar mais fácil a gente arrumar um lugar pra morar, você vai ver.

O telefone toca e CLARICE atende, mas não se ouve o que diz. Pela pequena janela da quitinete, ANTONIO observa a varanda do apartamento da frente, onde uma mulher dá de mamar a um bebê e uma garotinha tenta andar de bicicleta em meio a muitos brinquedos espalhados pelo chão. CLARICE bate o telefone.

CLARICE
Ferrou. Não vai dar pra eu ir. Trocaram meu plantão. Tudo bem você ir sozinho?


INT.QUITINETE DE ANTONIO - DIA
Mesma quitinete, mesma situação da cena 2. CLARICE olha os classificados do jornal enquanto faz tranças no cabelo comprido. Ela marca um anúncio com uma estrelinha de caneta esferográfica azul. ANTONIO sai do banheiro ainda fechando os botões da camisa. CLARICE observa o corpo de ANTONIO sorrindo.

ANTONIO
Encontrou alguma coisa?

CLARICE
Tem um em Botafogo, vamos?

ANTONIO
Você acha que presta?

CLARICE dá de ombros. Antonio se aproxima dela e lhe faz um carinho na cabeça.

ANTONIO
(desanimado)
Um dia eu vou ser promovido
e a gente vai morar junto num predinho tranquilo e charmoso de Ipanema. Você vai ver.

CLARICE se levanta e dá um beijo na boca de ANTONIO. Ele pega a carteira e calça os sapatos que estão perto da porta. Os dois saem juntos, abraçados. Pouco antes de fechar a porta de seu apartamento, ANTONIO fica alguns segundos admirando a bagunça que reina ali.


EXT.PRÉDIO EM BOTAFOGO - DIA
De mãos dadas, ANTONIO e CLARICE chegam à portaria de um prédio. Na fachada lê-se o nome: Edifício Bois du Boulogne. Uma MULHER chega logo depois deles, fumando e amassando um caderno de classificados em uma das mãos. Ela é bonita, tem cabelos curtos e pretos, usa um vestido listrado e sapatos pesados de amarrar, parecidos com os de homem. O batom transborda da linha dos lábios. Ela ignora o casal. Assim que a vê, ANTONIO solta discretamente a mão de CLARICE.


EXT.PRÉDIO EM BOTAFOGO - DIA
ANTONIO chega sozinho à portaria do Bois du Bologne.
A MULHER de vestido listrado chega logo depois dele. Ele se dirige ao porteiro.

ANTONIO
Eu vim ver o apartamento que está para alugar.

MULHER
Eu também.

Irritado, ANTONIO mede a MULHER de cima a baixo. O PORTEIRO estende a chave na direção de ANTONIO.

MULHER
(para o PORTEIRO)
Posso subir também?

O PORTEIRO recolhe a chave.

PORTEIRO
Mas eu não posso sair da portaria agora. O apartamento está vazio, se a senhora quiser subir com o moço... (para ANTONIO) É no bloco B. Daqui a pouco eu vou pro almoço. Na saída, o senhor deixa
a chave com o porteiro da tarde, viu?

MULHER mede ANTONIO por um segundo e pega a chave da mão do PORTEIRO. ANTONIO bufa discretamente. A MULHER sai andando sem esperar que o PORTEIRO dê as indicações de como chegar ao apartamento.


EXT.PÁTIO DO PRÉDIO DE BOTAFOGO - DIA
A MULHER vai na frente, sem nem reparar na aléia de plantas no meio dos dois prédios de apartamento altos, beges, com a pintura descascada e reboco caindo. ANTONIO a segue quase correndo, tentando olhar em volta. Ele vê o playground vazio, com brinquedos descascados e quebrados. Ouve-se o barulho de uma multidão de crianças brincando. ANTONIO sacode a cabeça como que para espantar os gritos. O barulho pára.


INT.HALL DO PRÉDIO - DIA
A MULHER de vestido listrado e ANTONIO chegam ao hall do bloco B. A MULHER coloca um cigarro na boca. Uma SENHORA está lá esperando o elevador. O elevador chega, os três entram.


INT.ELEVADOR - DIA
O elevador é mínimo e ANTONIO precisa grudar o corpo na MULHER para não encostar na SENHORA. Quando a SENHORA sai do elevador, olha feio para a MULHER, que está com o cigarro apagado na boca. Assim que a porta se fecha, a MULHER acende o cigarro, ignorando a placa de não fumar. ANTONIO se afasta um pouco dela.

ANTONIO
Você já viu muitos?

MULHER
É o segundo. Mas são todos umas merdas.

ANTONIO
Por que você está se mudando?

MULHER
Porque sim.


INT.CORREDOR DO PRÉDIO - DIA
CLARICE desce do elevador tossindo de leve e se abanando, depois descem a MULHER de vestido listrado e ANTONIO. A MULHER tenta abrir a porta do apartamento, mas está tremendo.

ANTONIO
Posso tentar?

ANTONO tira a chave da mão dela, coloca na fechadura e abre a porta facilmente.


INT.APARTAMENTO DE BOTAFOGO - SALA - DIA
A MULHER entra no apartamento, espia em volta e se dirige ao banheiro. CLARICE também entra, depois entra ANTONIO.

CLARICE
(baixinho para ANTONIO)
Que mulher mais esquisita!

ANTONIO sorri para CLARICE e observa a MULHER que está entrando no banheiro. Ele vai até a janela da sala e, de olhos fechados, delicia-se com a brisa. Quando percebe, CLARICE está a seu lado, encostando-se nele. Ele se afasta um pouco. ANTONIO e CLARICE analisam o morro e a favela em frente.

CLARICE
Parecem umas formiguinhas.

O olhar de ANTONIO segue as pessoas descendo o morro.
Ao olhar para baixo, ANTONIO vê a piscina, que não tem ninguém, e ouve, ao fundo, um barulho de crianças brincando. CLARICE também observa a piscina, depois sorri para ANTONIO. Ela o beija. Durante o beijo, ANTONIO olha a favela.


INT.APARTAMENTO - SALA - DIA
ANTONIO, que está sozinho olhando a favela pela janela, vira-se para observar a porta fechada do banheiro. Então nota calombos na parede do lado oposto ao da janela. Ele aperta um calombo, que cede. A MULHER sai do banheiro com a maquiagem retocada e os olhos vermelhos. Ela está fumando novamente. ANTONIO olha demoradamente para ela. Depois, aponta para um dos calombos.

ANTONIO
Deve ser de tiro. É por isso que
o aluguel é tão barato.

MULHER
Você acha barato por uma porcaria destas? Então dá olhada no banheiro, é totalmente ridículo.

ANTONIO
Barato em relação ao preço de mercado. Acho que por causa dos tiros.

MULHER
Pode ser, mas a favela é longe.

ANTONIO
Que nada! Tiro de fuzil alcança dois quilômetros.

MULHER
Você é da polícia?

ANTONIO
Não, sou jornalista.

Sem qualquer reação, a MULHER anda até a janela e atira o cigarro. Ela se debruça no parapeito para observá-lo cair.

MULHER
É uma boa altura.

ANTONIO fica excitado com a atitude dela. Ele vai até a janela e se encosta deliberadamente no corpo da MULHER, que está de costas para ele. A MULHER se vira, encara ANTONIO por alguns segundos e vai para o quarto que fica à direita do corredor.


INT.APARTAMENTO - SALA - DIA
Ainda encostados no parapeito da janela, ANTONIO e CLARICE observam a MULHER sair do banheiro com a maquiagem retocada e os olhos vermelhos. Ela está fumando novamente. CLARICE revira os olhos sem que a MULHER veja. A MULHER encara ANTONIO sem que CLARICE perceba. ANTONIO aponta para um dos calombos na parede da sala.

ANTONIO
Devem ser tiros. Por isso o aluguel é tão barato.

CLARICE
Então, acho que tá visto. Vamos?

MULHER
Barato? Mas é uma porcaria! Vocês deviam ver o banheiro. É ridículo.

ANTONIO
Tá barato em relação ao preço de mercado. Por causa dos tiros.

Demonstrando impaciência, CLARICE vai até o banheiro.

MULHER
Pode ser, mas a favela é muito longe.

ANTONIO
Longe nada. Tiro de fuzil alcança dois quilômetros.

MULHER
Você é da polícia?

ANTONIO
Não, jornalista.

A MULHER anda até a janela e atira o cigarro. Ela se debruça no parapeito para observá-lo cair.

MULHER
É uma bela altura.

ANTONIO corre para seu lado e quase coloca a mão no ombro da MULHER, mas se segura. Ela se vira, os dois se encaram por alguns segundos, e a MULHER segue para um dos quartos ainda soltando fumaça. CLARICE, que está voltando do banheiro, cruza com ela e abana-se de novo.

CLARICE
(sussurando para ANTONIO)
Ainda bem que você parou de fumar. Não suporto esse cheiro.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA ESQUERDA - DIA
ANTONIO entra no quarto, que é quadrado, tem as paredes recém-pintadas e um armário embutido. CLARICE entra também.

CLARICE
(baixinho para ANTONIO)
Eu achei o banheiro a melhor coisa do apartamento.

ANTONIO sorri e espia secretamente a MULHER de vestido listrado, que olha pela janela do quarto em frente. CLARICE abre as gavetas do armário. A última gaveta emperra. Ela força e um sutiã pequeno e empoeirado cai no chão. Ela pega o sutiã e o levanta pela alça, com nojo, e depois larga a peça no chão e sai do quarto. ANTONIO fica observando o sutiã.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA
Este quarto é retangular e um pouco maior do que o outro. A janela, como a da sala, também dá para a favela. A MULHER está agachada no chão.

MULHER
Ei, vem ver uma coisa.

Quando ANTONIO entra no quarto, ela usa uma caneta preta grossa para desenrolar uma cortina japonesa que está no chão. De pé, ANTONIO observa os peitos da MULHER pelo decote. A MULHER percebe que ele está olhando e o encara, estufando o peito e mostrando ainda mais os seios. Depois, a MULHER se levanta com a cortina na mão e aponta para um buraco no tecido.

MULHER
Você estava certo. Os tiros entram direitinho pela janela. O cretino do proprietário quer alugar o apartamento e deixa isto aqui? Ele achou que a gente não ia perceber?
ANTONIO chega perto da janela e olha para baixo.

ANTONIO
Não há crianças no playground. As pessoas estão abandonando o prédio com medo de morrer.

A MULHER larga a cortina e chega perto de ANTONIO.

MULHER
(no ouvido de ANTONIO)
Morrer não tem a menor importância. O horrível é ficar velha.


INT.APARTAMENTO - COZINHA - DIA
CLARICE passeia pela cozinha abrindo e fechando com nojo os armários empoeirados. Ao longe, ouve-se ANTONIO e a MULHER conversando.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA (continuação da cena)
ANTONIO
Por que você está dizendo isso?

MULHER
Porque eu tenho 34 anos.

A MULHER encara ANTONIO. Os dois estão muito próximos.

ANTONIO
(sem convicção, afastando-se)
Mas não parece. E qual o problema de ter 34 anos?

MULHER
Ele não gosta.

ANTONIO
Ele quem?

MULHER
Ninguém... Quantos anos você tem?

ANTONIO
32.

MULHER
Ele tem 50.

ANTONIO
(chegando bem perto dela)
Ele te abandonou? É por isso que você vai se mudar?


INT.APARTAMENTO - ÁREA DE SERVIÇO/COZINHA - DIA
CLARICE entra no pequeno quarto de empregada. Há um colchão no chão e um armário embutido. Ao longe, ouve-se ANTONIO e a MULHER conversando. CLARICE vai até a porta da cozinha e olha para o fundo do corredor.

CLARICE
(fala alto)
Antonio, vamos? A gente ainda tem que almoçar na minha mãe.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA
A MULHER de vestido listrado começa a chorar com raiva e se joga sobre ANTONIO com os braços dobrados e os punhos cerrados.

MULHER
(aos gritos)
Ele não me abandonou, tá? Ele não me abandonou.

ANTONIO segura os punhos da MULHER calmamente e apenas observa seu rosto.

MULHER
Mas o filho da puta está comendo uma garota de 18 anos. Dezoito anos! Você sabe o que é isso?

Incomodado, ANTONIO tenta afastar um pouco a MULHER.

ANTONIO
Essas coisas acontecem...

A MULHER o empurra com raiva e se afasta.

MULHER
Vocês são todos uns merdas mesmo! Você pensa que eu não te vi acariciando aquele sutiã velho e sonhando com os peitinhos da dona dele? Eu posso ter 34 anos, mas até hoje nunca precisei usar um sutiã!

Num só golpe, a MULHER pára de chorar e tira o vestido.


INT.APARTAMENTO - SALA - DIA
CLARICE olha pela janela. Vai até a parede e cutuca o buraco de tiro até que a massa se solte totalmente. ANTONIO vem pelo corredor e pára antes de entrar na sala. Ele está um pouco alterado e respira fundo para se recompor. CLARICE não percebe.

CLARICE
O que você achou?

ANTONIO
Se for mesmo baratíssimo, até que não é ruim. Mas a moça encontrou uma cortina com um furaço de bala no quarto.

CLARICE
Não é o apartamento dos meus sonhos, mas se você acha que é o melhor pelo que a gente pode pagar, tudo bem. Você decide.

ANTONIO faz que não com a cabeça. CLARICE sorri. Depois passa por ele e vai em direção à saída. Ele a segue com os olhos.

ANTONIO
Espera um pouco.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA
ANTONIO entra no quarto. A MULHER está olhando pela janela e fumando. ANTONIO chega muito perto dela.

ANTONIO
A gente está saindo. Você deixa a chave com o porteiro?
A MULHER se vira. Com os corpos quase grudados frente a frente, os dois se encaram por alguns segundos.


EXT.RUA - DIA
ANTONIO e CLARICE passam o portão do prédio e andam em direção ao carro.

CLARICE
Às vezes, parece que a gente não vai nunca encontrar um lugar perfeito pra nós.

ANTONIO
Você ainda acredita que existe um lugar perfeito pra nós?

CLARICE sorri sem graça.

ANTONIO
E se eu decidisse que nós devemos ficar com esse apartamento?

CLARICE
Como eu disse, não é o lugar perfeito, mas se você acha que é um bom negócio...

ANTONIO
Quer dizer que você viria morar aqui?

Entristecida, CLARICE dá de ombros.

ANTONIO
Às vezes, você parece uma criança. Por que não fala o que quer? Por que não diz que nunca toparia morar num apartamento cheio de furos? Você tem medo até de passar na frente de uma favela!

Ofendida, CLARICE anda mais rápido que ANTONIO e atravessa a rua. Ela espera ao lado do carro. Quando olha para ANTONIO, ele está parado do outro lado da rua, admirando a favela.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA
ANTONIO olha os seios perfeitos da MULHER. Ele se aproxima e começa a acariciá-los com força enquanto coloca a mão por dentro da calcinha dela. A MULHER desata o cinto dele com determinação e se ajoelha. ANTONIO respira ofegantemente e quase perde o equilíbrio. Ele empurra a cabeça da MULHER para longe e tira os sapatos e a calça. Ela fica de pé, encara ANTONIO e tira a calcinha.

MULHER
Você quer que eu fique de sapatos?

Excitado, ANTONIO observa os sapatos pesados e faz que sim com a cabeça.

MULHER
É incrível, mas todos os homens são homossexuais enrustidos.

ANTONIO finge que não ouve. Ela se afasta um pouco dele e acende um cigarro. Ele a puxa de volta.

ANTONIO
Você fuma demais.

A MULHER traga o cigarro e dá um beijo na boca de ANTONIO, soltando a fumaça dentro dele. Ele aspira com prazer e se deixa cair no chão lentamente, puxando a MULHER com ele. Os dois se deitam no chão e começam a se beijar.

MULHER
Quer que eu faça com você uma coisa que sempre eu sempre faço com ele?

ANTONIO faz que sim com a cabeça.

MULHER
Então vira de bruços.

ANTONIO tira o cigarro da mão dela e apaga no cinzeiro.

MULHER
Eu não sou sádica!

ANTONIO se vira lentamente de bruços, sempre encarando a MULHER. Ela sobe em cima dele, esfrega-se em seu corpo.

MULHER
Meu tesão, vou te comer todinho. Você quer? Quer que eu te coma?

A MULHER se esfrega no corpo de ANTONIO mais algum tempo e goza. Os dois se viram de barriga para cima. A MULHER encosta a cabeça no peito de ANTONIO e começa a arranhá-lo com as unhas.

ANTONIO
Não faz isso.

A MULHER continua com mais força. ANTONIO segura o braço dela.

ANTONIO
Pára. Você quer que minha noiva descubra?

A MULHER se desvencilha dele, dá uma gargalhada artificial.

MULHER
Você tem noiva? Não acredito. E cadê a aliança?

ANTONIO
Não uso. Mas eu e a Clarice vamos nos casar. Por que você acha que estamos procurando apartamento?


INT.APARTAMENTO DE IPANEMA - SALA - DIA
ANTONIO e CLARICE entram na sala. É muito pequena, mas clara e bem conservada, com paredes brancas. CLARICE vai para a pequena varanda e dá um grito. ANTONIO corre até ela e ela aponta para a estátua do Cristo, que pode ser entrevista no meio vários prédios. Felicíssima, ela abraça ANTONIO e lhe dá um beijo na boca. ANTONIO abre os olhos e fica encarando o Cristo.

CLARICE
Vamos ficar com este? É bem pequeno, eu sei, mas é limpo, bonito, novinho e, em lugar da favela, a gente vê o Cristo! E o preço é o mesmo... Por favor, por favor, por favor?

ANTONIO dá um sorrizinho e faz que sim com a cabeça.


INT.APARTAMENTO DE BOTAFOGO - QUARTO - DIA
Ainda nua, a MULHER se levanta do chão, onde estava deitada com ANTONIO, e começa a pegar suas roupas.

MULHER
Melhor eu ir. Não quero atrapalhar a vida de vocês. Quantos anos tem essa Clarice.

ANTONIO
(pensa um segundo)
Dezenove.

A MULHER fica nervosa. Ela coloca o vestido pelo avesso e se atrapalha na hora de tirar para virá-lo. Então, fica nua, de pé, chorando com o vestido na mão. ANTONIO, que continua deitado e pelado, só olha para ela, esperando calmamente. Ela enxuga as lágrimas devagar.

MULHER
Você tem camisinha?

ANTONIO
Não. Não uso. Eu e a Clarice somos fiéis.

MULHER
Cara de pau! Mas eu e ele não somos fiéis. E eu estou certíssima de não confiar em ninguém.

A MULHER remexe dentro da bolsa e tira um pacotinho de camisinha. Ela o joga para ANTONIO.

MULHER
Nem pense em fazer qualquer perversão senão eu grito.

ANTONIO
Você? Só se for de prazer.

A MULHER dá um risinho e encara ANTONIO enquanto acende um cigarro. ANTONIO vai até o banheiro com a camisinha na mão.


INT.APARTAMENTO - BANHEIRO - DIA
ANTONIO observa demoradamente a banheira, os azulejos brancos com figuras de Vênus e anjinhos azuis tocando trombetas e o espelho com bordas trabalhadas em metal prateado. Com a unha, ele tenta descascar o rosto de um dos anjinhos.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA DIREITA - DIA
ANTONIO volta para o quarto. A MULHER está totalmente nua, deitada de costas num colchãozinho.

MULHER
Encontrei no quarto da empregada. Mais gostoso, né?

ANTONIO se deita e a MULHER o beija com ansiedade e paixão, subindo em cima dele.


INT.APARTAMENTO - QUARTO - ENTARDECER
ANTONIO e a MULHER estão deitados no colchãozinho, abraçados, iluminados por uma luz amarelada de fim de tarde. Os dois ouvem tiros ao fundo.

ANTONIO
A gente poderia até morrer junto aqui.

A MULHER permanece de olhos fechados.


INT.APARTAMENTO DE IPANEMA - SALA - NOITE
Vestida de camiseta e calça branças, com um avental branco por cima, CLARICE, agora com os cabelos bem curtos e pretos, entra no pequeno apartamento com vista para o Cristo. A sala está muito arrumada, toda decorada com móveis brancos mínimos. Na varanda há várias plantas. Ela segue até a varanda. ANTONIO está lá sentado no escuro, fumando um cigarro e olhando para o Cristo iluminado. CLARICE acende a luz da varanda.

CLARICE
Você estava esperando o que para me dizer que tinha saído do caderno de cultura?

ANTONIO
Eu ia dizer...

CLARICE
Mas por que sair justo agora que você estava na boca de virar editor? Não era isso que você queria?

ANTONIO vai respoder, mas é interrompido por CLARICE.

CLARICE
Você sabe que cobrir polícia nessa cidade é um perigo, não sabe? Não viu o que fizeram com o Tim Lopes? Eu sou obrigada a ver gente baleada o tempo todo no hospital. Eu sei o que é isso. Você ficou maluco?! Não precisava se meter nessa história. Você pensa que é herói? Você acha que eu vou ficar acordada a noite toda sabendo que meu marido está pra lá e pra cá atrás de traficante, assassino e policial?

ANTONIO
(negando com a cabeça)
Você não vai ter que ficar mais um minuto acordada por minha causa.

ANTONIO apaga o cigarro em um dos vasos de CLARICE e se levanta. Os dois ficam cara a cara. CLARICE se afasta e ele sai do apartamento batendo a porta.


INT.APARTAMENTO DE BOTAFOGO - QUARTO - NOITE
A MULHER de vestido listrado já está quase vestida. A única luz vem de fora. ANTONIO continua nu deitado no colchão.

ANTONIO
Você vai alugar esse?

MULHER
Você só pode estar brincando, né?

ANTONIO
Você vai voltar pra ele?

MULHER
(dando de ombros)
Agora eu posso.

ANTONIO
Você vai contar o que aconteceu aqui?

MULHER
Acho que sim... Mas você não vai falar nada para a sua noivinha, vai? Acho que ela não perdoaria sua infidelidade.

ANTONIO
Quem te disse que eu quero ser perdoado?

A MULHER ri cinicamente e vai para a porta do quarto. Ela pára e olha para ANTONIO. O jornalista vira a cara com desinteresse e olha para fora da janela. A MULHER sai. Segundos depois, ouve-se o barulho de uma porta batendo. ANTONIO continua deitado olhando pela janela e ouvindo os tiros que recomeçaram. Ao seu lado, no local onde estava a bolsa da MULHER, há um caderno de jornal meio amassado.


INT.APARTAMENTO - SALA - ENTARDECER
ANTONIO, com outras roupas e cabelo um pouco mais comprido, está sozinho na sala do apartamento do edifício Bois de Boulogne. O sofá-cama velho que estava na quitinete agora fica debaixo da janela, há uma estante com alguns livros e uma televisão pequena na parede oposta, que tem marcas de balas, e uma mesinha de ferro encostada num canto ao lado da TV. Sobre ela, há um computador. O monitor está com o vidro estourado. Na sala há livros e jornais espalhados, copos sujos e cinzeiros cheios. ANTONIO fuma agachado, encostado na parede ao lado do sofá. De vez em quando, ouve tiros e espia com um binóculo pela janela, de onde entra um pouco de luz amarelada de fim de tarde. Ele se agacha e segue engatinhando em direção ao quarto da empregada.


INT.APARTAMENTO - QUARTO DA EMPREGADA - NOITE
ANTONIO está escrevendo à mão, sentado no mesmo colchão em que ele e a MULHER de vestido listrado transaram. Ele faz uma ligação pelo telefone do fax.

VOZ (OFF)
Redação de O Diário, boa noite.

ANTONIO
Oi, Fátima, me dá o sinal do fax.

ANTONIO envia algumas páginas escritas à mão. Então, ele vê que não tem mais papel em branco. ANTONIO começa a abrir as gavetas do armário embutido. Abre a última, retira um maço de papéis, e, ao fechá-la, repara que um jornal caiu no chão. É um caderno de classificados amarelado, com um dos anúncios circulado por uma caneta preta grossa. ANTONIO fica olhando para o anúncio um bom tempo e começa a amassá-lo. Então ouve um tiro bem próximo e se assusta.


INT.APARTAMENTO - SALA - NOITE
ANTONIO vai até a sala sem se agachar e olha pela janela para o pátio do prédio. Ele vê um homem morto dentro da piscina iluminada. A água está sendo tingida de sangue. Ele se senta no sofá debaixo da janela, retira o jornal amarelado de cima do maço de papel, alisa-o, coloca-o sobre o sofá e, ainda olhando para o anúncio, começa a escrever na primeira folha do maço: "Morrer é muito fácil no Bois de Boulogne".

FIM

sábado, março 07, 2009

O Sonho de Lolita (longa)

EXT. BEIRA DE UM LAGO - DIA

LOLITA, uma moça de cerca de 40 anos, está andando na beira
de um rio, num lugar muito árido e cheio de neblina. Ela
tropeça algumas vezes e começa a se desesperar. Olha para
os lados, pede socorro, mas não vê nada por causa da
neblina. Então, encontra um rapaz, uma SENHORA e uma moça
que estão conversando na beira do rio.

LOLITA
Como eu faço pra chegar ao outro
lado?

Os três riem.

SENHORA
Não existe outro lado.

Lolita aponta para as árvores da outra margem.

SENHORA
Ah, aquilo... Aquilo não é nada.

Eles riem novamente. Seus dentes são negros. Lolita se
assusta e foge em meio à neblina. Por vezes, enxerga as
árvores do outro lado. Então, vê alguns barcos e encontra
um BARQUEIRO deitado.

LOLITA
(aponta para as árvores)
Você me leva lá?

BARQUEIRO
Dá não.

LOLITA
Por quê?

BARQUEIRO
Porque ninguém vai. E quem
tenta, volta não.

O barqueiro olha para ela e ri. Dentro da boca imensa, que
se prepara para engolir Lolita, ela vê um enorme ninho de
serpentes.



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Suíte de um apartamento de classe média alta, de bom
tamanho, bem decorado, com uma cama grande ao centro,
armários, poltrona, uma pequena estante com televisão,
livros e porta-retratos com fotos de Lolita, o marido e os
filhos. Lolita acorda aos gritos. Seu marido, GUILHERME, de
cerca de 40 anos, acende o abajur. Lolita está chorando.

GUILHERME
Que foi, Lolita?

LOLITA
Outro pesadelo.

De olhos fechados, Guilherme abraça a mulher.

LOLITA
Eu estava na beira de um rio e o
barqueiro tinha um monte de
cobras na boca!

Guilherme faz um carinho em Lolita e volta a deitar.

GUILHERME
Dorme, meu amor, foi só um
sonho.

LOLITA
Meu coração tá disparado até
agora, Gui...
E tinha um grupo de gente
horrível,com os dentes pretos.
Eu não aguento mais esses
sonhos!

Quando Lolita olha para Guilherme, percebe que ele está
dormindo. Conformada, faz um carinho no cabelo do marido,
se enrosca nele e fecha os olhos.



EXT.RUA EM FRENTE A UM BAR-DIA

JOANA, 14 anos, filha de Lolita e Guilherme, SAI da escola
com alguns amigos. É hora do intervalo. Do outro lado da
rua, vemos Joana, abraçada ao namorado, SILVIO, e as amigas
MONICA e BIANCA, todos da mesma idade. Eles param em frente
a um bar na mesma rua da escola. Silvio compra uma cerveja
e pega um cigarro de maconha das mãos de um colega. Todos
bebem. Monica e Bianca também fumam. Joana a princípio faz
que não com a cabeça. Ela vai ao balcão, compra um maço de
cigarros e acende um. Os adolescentes conversam ao longe.
Depois, Joana dá também uma tragada no cigarro de maconha.



EXT.RUA-DIA

Lolita empurra um carrinho de bebê pelas ruas de Ipanema.
Está indo com a filha de dois anos, Dora, para a aula de
natação. As duas vão falando e cantando, felizes.

LOLITA
Olha, Dora, um filhote de
passarinho. Os bichinhos nascem
na primavera, sabia? Eles é que
estão certos, esta época é uma
delícia.

Como muitos carros estão parados na calçada, Lolita precisa
desviar o carrinho e ir pela rua.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme ENTRA na agência de publicidade em que trabalha.
A agência é uma grande sala composta de recepção e dois
escritórios envidraçados. A secretária MILENE, na faixa dos
25 anos, está sentada à sua mesa falando ao telefone.
Ela faz o estilo sexy-profissional, com um vestido de gola
alta, mas curtíssimo, e sapato de saltos muito altos.
Quando Guilherme ENTRA, ela desliga o telefone.

GUILHERME
Bom dia, Milene. Tudo bem?

MILENE
Tudo, chefe, e você? Muitos
planos para o fim de semana?

GUILHERME
Não existem planos para o fim de
semana quando você tem quatro
crianças em casa! A Dora tem
duas festas de aniversário no
domingo. Ainda bem que a bebida
é muito farta. Mantém os pais
sob controle...

Milene ri, sempre fazendo pose sexy.

MILENE
Coitadinho... Você precisa de
diversão, Guilherme.

GUILHERME
(ignorando a insinuação)
Você checou se aquele canalha do
Weissman depositou o dinheiro?

MILENE
Acabei de ligar lá. A secretária
jurou que ele vai depositar
agora de manhã.

Guilherme se dirige para sua sala.

GUILHERME
Como esse sujeito consegue ser
tão cara-de-pau? Ele está
dizendo isso há dias!

MILENE
Não se preocupe, chefe. Eu vou
ficar grudada no pé dele até ele
pagar.

Milene disca alguns números, mas depois de ver que
Guilherme entrou na sala, desliga e liga para outro número.

MILENE
Oi, mãe. Pronto agora posso
falar... Não, não se preocupe,
eu estou no trabalho... Não,
mãe, aqui quem controla a conta
de telefone sou eu.

BRUNO, sócio de Guilherme, 40 e poucos anos, ENTRA no
escritório.

MILENE
(ao telefone)
... Eu sei, Marilda, mas o
doutor Weissman está dizendo que
vai depositar há mais de um mês.
É muita cara-de-pau!

BRUNO
Isso, Mileninha, mete o pau. Mas
mete gostoso que ela goza.

Milene tapa o bocal do telefone.

MILENE
Bom dia pra você também, Bruno.

Bruno dá um oi a Guilherme pelo vidro e entra em sua sala.
Milene continua ao telefone.

MILENE
(baixinho)
Pronto, mãe... Não, tá tudo bem,
é que o chefe passou aqui.



INT.ESCOLA DE NATAÇÃO-DIA

Lolita e Dora participam da aula de natação junto com
outros conjuntos de mães e crianças. Uma MÃE e sua filha
estão bem perto de Lolita.

MÃE
(baixinho)
Não, filhota, não precisa sair
da piscina. Faz aqui mesmo. Não
tem problema.

Lolita sai da água com Dora, encarando a Mãe.

PROFESSORA
Lolita, o que houve? Tudo bem
com a Dora?

LOLITA
Com a Dora, tudo bem. Mas a
Aline vai fazer pipi na piscina
e eu não acho legal. Então, vou
sair da água.

Lolita SAI para o vestiário. A Mãe dá uma risadinha cínica.

MÃE
Ai, que estressada. Só podia ser
paulista. Imagina, xixi de
criança é como água.

Duas mulheres riem e concordam. Outras duas fazem cara de
nojo e saem da piscina. Uma delas, ROSANA, se dirige a uma
senhora de uns 60 anos, AMÁLIA, sua mãe, que está
assistindo à aula.

ROSANA
Vamos embora, mãe, estou com
nojo dessa água.

AMÁLIA
Quem é aquela moça que saiu da
piscina primeiro, filha?

ROSANA
É a Lolita, mãe da Dora.



EXT.RUA EM FRENTE A ESCOLA-DIA

Joana sai da escola. Monica está esperando no portão. As
duas vão andando pela rua. Carregam livros e mochila da
escola.

MONICA
Putz, acho que tirei um zero bem
redondo nessa prova. Não sabia
nada.

JOANA
Caraca, e agora? Seus pais não
ficam putos? Acho que os meus me
matam se eu tirar um zero!

MONICA
Ih, os meus já estão
acostumados. E depois, eu não
vou repetir de ano. Meu pai é um
dos sócios da escola. Ele fala
com a professora.

JOANA
Mas e se ela não quiser aumentar
sua nota de jeito nenhum?

MONICA
Ele manda ela embora.

JOANA
Ai, que inveja, então você não
precisa estudar!? Será que se eu
for mal na prova seu pai não me
dá uma forcinha também?



EXT.RUA-DIA

Lolita está voltando para casa com Dora no carrinho.

LOLITA
Ai, Dorinha, eu sei que você
queria ficar na água, filha, mas
não dava. A gente vai procurar
outra escola, tá bom, meu amor?

A todo momento, Lolita precisa desviar dos carros na
calçada e ir pela rua. Em uma dessas vezes, ela e a
filhinha quase são atropeladas por uma motocicleta que
passa pela rua, na contramão, em alta velocidade. Para
evitar o acidente, Lolita empurra o carrinho para o lado e,
com esse movimento, faz um risco profundo na lateral de um
carro estacionado sobre a calçada. Lolita começa a revirar
a bolsa.

LOLITA
Dorinha, o que eu faço?... Vou
deixar um bilhete pro dono do
carro dizendo pra ele me
procurar.

Logo depois, ainda com a bolsa aberta, Lolita pára e olha o
carro riscado por algum tempo.

LOLITA
Quer saber, filha, foi bem
feito! Quem mandou parar em cima
da calçada?

Lolita segue seu caminho empurrando o carrinho de Dora. Por
duas vezes ela olha para trás, na direção do carro riscado.



EXT.FRENTE DE UM RESTAURANTE-DIA

Guilherme e Bruno chegam a um restaurante com uma grande
varanda protegida por uma cerquinha, que avança na calçada.
É hora do almoço e a calçada está lotada, com muita gente
esperando por uma mesa.

GUILHERME
Ih, Bruno, acho melhor a gente
ir pra outro lugar. Eu preciso
voltar logo pra agência.

BRUNO
Calma, meu irmão. Pra tudo tem
um jeito. Eu venho aqui desde
que nasci. (gritando para dentro
do restaurante) Chico, ô, Chico.

O GARÇOM se aproxima. Bruno fala alguma coisa no ouvido
dele. O garçom mostra uma mesa no final da varanda, de onde
dois moços acabaram de levantar, e abre a portinhola para
eles entrarem. Bruno entra. Guilherme sacode a cabeça em
desaprovação, mas entra. Um CLIENTE se aproxima do garçom.

CLIENTE
Pô, eu estou aqui há meia hora.
Esses caras acabaram de chegar!

GARÇOM
(entra, rindo disfaçadamente)
ô, amigo, desculpe, mas eles
fizeram reserva.

CLIENTE
(já falando sozinho)
Reserva? Mas vocês não aceitam
reservas!



INT.COZINHA DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Lolita, seus filhos gêmeos, GUSTAVO e MARIANA, 12 anos,
estão em volta da mesa, na cozinha de um apartamento de
classe média alta, comendo. Dora está na cadeirinha. A
babá, VANESSA, jovem negra de uns 20 e poucos anos, oferece
comida a Dora. ROSA, a empregada, SAI da cozinha com panos
de limpeza. Joana, carregando os livros e a mochila, coloca
a cabeça na porta da cozinha.

JOANA
Oi, gente.

LOLITA
Oi, filha, vem almoçar. A escola
foi boa?

JOANA
(já saindo)
Foi. Eu não tô com fome, não.
Depois eu faço um lanche.

LOLITA
(alto)
Ô, Joana, precisa comer direito,
filha... (para si mesma) Essa
menina vai do quarto para a rua.
Isso é que é adolescente de
verdade! Deve ser praga da minha
mãe...

Lolita repara num brinquedo na mão de Gustavo.

LOLITA
Gustavo, você ainda não devolveu
esse brinquedo pro seu amigo?

GUSTAVO
Ih, mãe, ele nem lembra mais que
me emprestou. Deve ter uns 200
iguais.

LOLITA
Não interessa, filho. Você sabe
que isso é falta de respeito
pelos outros. Mesmo que ele
tivesse um milhão de brinquedos
iguais, você teria que devolver.
Ele te deu o brinquedo?

Sem tirar os olhos do prato, Gustavo faz que não com a
cabeça.

LOLITA
Então tem que devolver. Hoje
mesmo você leva pra escola.

MARIANA
(rindo, imitando Lolita)
Tem que devolver hoje mesmo! Que
falta de respeito, garoto!

VANESSA
Acho que até a Dora já sabe
falar falta de respeito!

Todos riem, inclusive Lolita, que se levanta, coloca seu
prato na pia e SAI da cozinha.

LOLITA
Espero que ela aprenda logo
mesmo... Gustavo e Mariana,
quando acabarem, pratos na pia.
Vanessa, insiste bastante pra
Dora comer porque o médico disse
que ela anda muito magrinha.

VANESSA
Pode deixar, dona Lolita.

Gustavo e Mariana colocam seus pratos na pia e também SAEM.
Vanessa espicha o pescoço e espia a porta. Então, joga no
lixo toda a comida que sobrou do pratinho de Dora.



INT.RESTAURANTE-DIA

Bruno e Guilherme estão almoçando.

GUILHERME
... Então nossas chances são
mínimas!

BRUNO
Aí é que está, não são.

GUILHERME
Como é que não, Bruno? Só tem
peixe grande na concorrência
dessa campanha.

BRUNO
(baixinho)
Mas o edital da prefeitura foi
muito mal-feito... Eu conheço
gente lá dentro. Eles já me
deram o caminho das pedras...

GUILHERME
Mas isso é contra a lei!

BRUNO
Ir à falência é que deveria ser
contra a lei, querido.(alto)
Chico, traz a conta.

GUILHERME
A gente não está tão mal assim.

BRUNO
Ainda não. Mas com essa leva de
clientes caloteiros... Bom,
relaxa, meu querido. Deixa tudo
comigo. Juro que nosso único
crime vai ser se aproveitar da
burrice dos outros.

GUILHERME
Não sei não...

BRUNO
Por falar nisso, temos que
discutir aquele outro assunto, a
campanha do governo... Não
adianta fugir, Guilherme.



INT.QUARTO DE JOANA-DIA

A porta do quarto se abre. Joana rapidamente esconde sob o
travesseiro a camisinha que tinha na mão. Lolita coloca a
cabeça para dentro do quarto da filha.

JOANA
Mãe, é falta de respeito entrar
sem bater!

LOLITA
Mas eu ainda nem entrei!...

Joana faz uma careta de quem não achou graça. Lolita ENTRA
no quarto e se senta na cama. Rapidamente, Joana senta em
cima do travesseiro. Lolita faz um carinho na filha.

LOLITA
Tá tudo bem, Joana?

JOANA
Tá tudo ótimo, mãe! Por quê?

LOLITA
Porque você não fala mais com a
sua mãe.

JOANA
Mãe, se liga, eu sou
adolescente!

LOLITA
Tá bom, minha adolescente, você
não quer mesmo comer?

JOANA
Não, eu comi na escola. Só vim
pra casa pra trocar de roupa. Já
tá todo mundo lá na praia. Aqui
no Rio, as meninas vão de
biquíni pra escola e depois
direto pra praia...

LOLITA
E ninguém estuda?

JOANA
Ai, mãe, mas também não tem que
estudar todo o dia, né?

LOLITA
Não tem nem uma liçãozinha de
casa?

JOANA
Lição de casa é coisa de
criança. Agora eu vou me vestir,
tá?

Joana vai em direção ao guarda-roupa. Lolita vai para a
porta.

LOLITA
Você está feliz aqui, filha?

Joana faz que sim com a cabeça. Lolita dá um beijo na filha
e SAI. Depois que ela fecha a porta, Joana pega a camisinha
e coloca na carteira que está dentro da mochila.



EXT.RUA-DIA

Lolita está em seu carro levando Mariana e Gustavo para a
escola. Os três conversam animadamente.

MARIANA
Que nada, o blog é muito mais
legal do que o fotolog.

GUSTAVO
Mas no blog você tem que
escrever. No fotolog só coloca a
foto e pronto!

MARIANA
Mas o mais legal é escrever! Eu
e a Giovana estamos criando um
blog juntas. Ah, mãe, por falar
nisso, não precisa me pegar na
escola amanhã que eu dormir na
casa da Giovanna.

LOLITA
É, Mari? Mas a mãe da Giovana tá
sabendo disso?

MARIANA
Claro, né?, mãe.

Um TAXISTA que vem na faixa da direita, corta a frente do
carro de Lolita e entra na transversal à esquerda sem
colocar seta ou avisar com o braço. Para evitar a batida,
Lolita dá uma brecada súbita e barulhenta. Todos se calam
assustados.

TAXISTA
Só podia ser mulher!

LOLITA
Vocês viram? Vocês viram? Ele
corta a minha frente, quase
causa uma batida, que eu evitei,
e ainda me xinga!... Ah, não, é
demais! Eu não aguento mais
esses cariocas! Dá vontade de
processar todos! Ô gente sem
educação...

GUSTAVO
Mãe, em São Paulo é
igualzinho...

LOLITA
Será, meu filho?... Pode ser,
mas em São Paulo eu me trancava
no escritório o dia todo, não
ficava reparando.

MARIANA
Não acho, não. Em São Paulo as
pessoas não param o carro em
cima da calçada.

GUSTAVO
Porque em São Paulo não tem
calçada!

Os três continuam discutindo enquanto o carro segue.



EXT.QUIOSQUE DA LAGOA-DIA

Lolita e Guilherme almoçam num quiosque da Lagoa com os
casais de amigos CRIS e BRUNO e RENATA e EVANDRO, todos na
faixa de 35-45 anos. Também na mesa, Mariana lê uma
revista. Por perto, Gustavo e Dora brincam sob a supervisão
da babá, Vanessa. Os quiosques estão cheios de gente.

Enquanto eles falam, Lolita escuta as conversas e observa
as cenas que acontecem a sua volta: um homem grita com uns
garotos que quase o atropelaram com uma bicicleta de quatro
rodas; uma criança chuta a bola de outra para dentro da
lagoa e os pais nem ligam;
um sujeito passa pela ciclovia de moto, sem dar bola para
os pedestres; gente joga lixo no chão.

BRUNO
... Mas o Botafogo não sai
disso, Guilherme.

GUILHERME
Que nada, agora vai!

EVANDRO
Um botafoguense otimista? Nunca
vi isso! Quanto tempo mesmo você
ficou em São Paulo? Parece até
que já esqueceu como esse time
é. Quando começa bem o
campeonato, então...

GUILHERME
Ah, mas peraí, aquele juiz
safado roubou contra o Botafogo
em todas as partidas!

Lolita continua observando. Uma mãe dá palmadas em uma
menina. Numa mesa ao longe, um cachorrão sem coleira rouba
um quibe de uma mesa vizinha e os donos dão risada. O
sujeito que teve o quibe roubado joga um copo de chope na
cara do dono do cachorro e eles começam a discutir.

CRIS
(para Renata)
O negócio é que a Fernandinha
estava mesmo tendo um caso com
um aluno lá da escola. Lembra
que a gente viu os dois juntos?

RENATA
Mas era aquele alto e magrela do
último ano? Credo, ela podia ter
escolhido melhor!

CRIS
O pior não é isso, o pior é que
depois da formatura ele sumiu e
ainda levou um monte de coisa da
casa dela.
Cds, livros e até roupa que o ex
marido tinha ficado de buscar
depois...

RENATA
Ai, coitada.

O sujeito que jogou o chope dá um soco na cara do dono do
cachorro.

LOLITA
(distraidamente)
Algumas pesoas merecem o que
acontece com elas...

RENATA
Ah, mas a Fernanda nem teve
culpa, coitada. E ela já tinha
sido traída por aquele ex-marido
mil vezes. Ela tem é azar mesmo.

LOLITA
Não, não essa moça... Estou
falando que os cariocas, em
geral, merecem muito do que
acontece com eles.

BRUNO
Como assim... merecem?

LOLITA
Eu acho que não tem um ser nessa
cidade que não faça uma
falcatrua por dia, pelo menos!

BRUNO
Falcatrua? Que falcatrua?

LOLITA
Largar o cocô do cachorro na
rua, cruzar farol vermelho...

EVANDRO
(interrompendo)
Aqui a gente fala sinal.

LOLITA
Mas eu não sou daqui... Oferecer
um suborninho a alguém, dar
troco errado, construir casa sem
licensa, parar na calçada,
comprar CD pirata... Enfim, o
Rio é a cidade da bandalheira.

GUILHERME
Também não é assim, Lô.

LOLITA
E sabe o que acontece? Ninguém
se importa mais, as pessoas se
acostumam e as coisas só pioram.
Vocês não conhecem a teoria das
janelas quebradas?

Todo fazem que não com a cabeça.

LOLITA
É uma pesquisa séria, tá? Se
você larga um carro na rua, num
bairro de classe média, ele só
vai ser depenado depois de oito
semanas... Mas, se você quebrar
os faróis e uns vidros e largar
no mesmo lugar, depenam em três
dias!

RENATA
Que legal. Nunca ouvi falar
dessa pesquisa, mas faz todo o
sentido.

LOLITA
Isso tem reflexo até na
violência, porque se o cara de
classe média pode parar em cima
da calçada, por que o pobre não
pode roubar?

BRUNO
Falou a advogada! Mas tem uma
distância de anos-luz entre uma
coisa e outra.

LOLITA
É contra a lei do mesmo jeito.

BRUNO
Ih, então me leva já pra cadeia
porque eu paro em cima da
calçada toda hora.

Todos riem.

EVANDRO
Olha, Lolita, mais uns meses de
Rio e você aprende a relaxar.
Aqui é assim mesmo, tudo mais
informal. Olha só o Guilherme...
Quando foi pra São Paulo até
sentiu falta do jeitinho
carioca...

GUILHERME
Não deu pra sentir, não. São
Paulo é igualzinho.

Enquanto todos continuam a discussão falando ao mesmo
tempo, Lolita vê Joana passar pela ciclovia com um grupo de
amigos, abraçada a Silvio. Ela cutuca Guilherme e mostra os
adolescentes para ele. Lolita acena para Joana que finge
que não vê a mãe.



EXT.CICLOVIA DA LAGOA-DIA

Joana passeia na ciclovia com Silvio, Bianca, Monica e
Javé, namorado de Mônica, uns vinte e poucos anos. Assim
que vê os pais no quiosque, Joana se afasta de Silvio.

SILVIO
Que foi?

JOANA
Meus pais... ali.

SILVIO
Que que tem?

JOANA
Nada, sei lá. Se eles virem a
gente junto, vão me encher.



EXT.QUIOSQUE DA LAGOA-DIA

Todos ainda no quiosque.

CRIS
Olha, eu acho que deviam mesmo
legalizar os estacionamentos em
cima da calçada.

EVANDRO
E cobrar pelas vagas.

CRIS
Pois é. Já que todo mundo pára
mesmo.

O garçom chega com a conta e entrega a Guilherme.

EVANDRO
Faz a conta aí, Guilherme.

Guilherme começa a conferir os pedidos.

GUILHERME
Alguém pediu kafta de frango?

TODOS
Não!

GUILHERME
E caipirinha de vodca com kiwi?

TODOS
Também não.

GUILHERME
Então tem coisa a mais nessa
conta... Garçom!

LOLITA
(baixinho para Renata)
Só pra variar...

RENATA
É impressionante!



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme está deitado e Lolita, no banheiro da suíte, está
terminando de se arrumar para dormir. Na televisão ligada,
o noticiário é sobre alguma falcatrua de políticos.

LOLITA
A Renata disse que talvez eles
precisem de um advogado lá no
escritório. Então me candidatei.

GUILHERME
Mas você não disse que se
mudasse pra cá ia querer curtir
a cidade, ficar mais com as
crianças?

LOLITA
Seria só algumas horas por dia,
e a Vanessa é ótima com as
crianças... Agora, Gui, quem tá
me preocupando é a Joana. Você
viu que ela tava com um
namorado, né? O que a gente faz?

GUILHERME
Nada, Lô, é a idade.

LOLITA
Pois é, mas quando eles mais
precisam da nossa orientação,
eles somem. Ela está impossível.
Não quer nem que eu entre no
quarto sem bater na porta.

Lolita se deita ao lado de Guilherme.

GUILHERME
(abraçando Lolita)
Aposto que você era igualzinha.

LOLITA
Acho que era mesmo...

GUILHERME
Mas acho que a gente pode ficar
sossegado porque a Joana sabe o
que faz. A gente também ficava
até tarde na rua, fumava
maconha, bebia, implicava com os
pais... Mas passa. Todo mundo
cresce.

Os dois começam a se beijar. Guilherme abaixa a alça da
camisola de Lolita, ela tira a camiseta de Guilherme.

GUILHERME
Você lembrou da camisinha?

LOLITA
Esqueci...

GUILHERME
Mas você não disse que estava
dando um tempo da pílula!

LOLITA
(beijando Guilherme)
Ah, Gui, mas é só hoje. Eu nem
tô no período fértil.

GUILHERME
É, só hoje, só hoje e lá vem
mais uma Dorinha... (rindo e
colocando a camiseta) Tem gente
que não cresce nunca!



EXT.FRENTE DO PRÉDIO DE LOLITA-NOITE

Joana está namorando Silvio encostada na frente do prédio.
Ele tenta levantar a blusa dela e ela não deixa. Silvio
insiste.

JOANA
Pára, Silvio.

SILVIO
Ô, Jô, eu não tô fazendo nada...
É só amorzinho.

JOANA
Mas aqui na rua não quero. Todo
mundo tá vendo.

Silvio olha em volta. A rua está deserta.

SILVIO
Todo mundo quem, Jô? Não tem
ninguém.

JOANA
Mas eu não gosto.

SILVIO
Então vamos subir.

JOANA
Meus pais tão em casa.

SILVIO
A gente entra bem quietinho,
eles nem vão perceber.

O PORTEIRO sai do prédio e vê os dois.

PORTEIRO
Acho melhor entrar, Joana. É
perigoso ficar na rua a essa
hora.

Joana toma um susto. Dá um beijo em Silvio e entra
correndo.



EXT.RUA-DIA

No meio da tarde, uma MULHER vai pela calçada puxando com
dificuldade um carrinho de feira cheio. Em certo ponto, ela
fica presa: à sua frente há uma caçamba e um carro sobre a
calçada, tomando todo o espaço de quem passa, do lado do
carro, há um outro parado na esquina sobre a faixa de
pedestres e uma fila de carros, encostados um ao outro,
parados no meio fio. Lolita está vindo na mesma direção,
carregando sacos de supermercado, e percebe que ela e a
mulher terão que voltar quase o quarteirão inteiro e ir
pela rua para poder seguir seus caminhos. Lolita se
aproxima da mulher.

LOLITA
Isso é um absurdo. A gente tem
que fazer alguma coisa!

MULHER
Nem me fale. Bloquearam a rua.

Enfurecida, Lolita pega o celular e disca algumas vezes até
conseguir falar.

LOLITA
Alô, é da polícia?...



INT.SALA/QUARTO DE JOANA-DIA

Joana chega em casa com Monica e Bianca.

MONICA
Perfeito, não tem ninguém.

JOANA
Mas minha mãe já vai chegar.

MONICA
Então vamos logo.

As três vão para o QUARTO de Joana. Bianca tira um cigarro
de maconha de dentro do maço de cigarros e acende. Dá uma
longa tragada e, segundos depois, solta a fumaça. Bianca
traga de novo e passa o cigarro para Joana.

JOANA
(para Monica)
Abre bem a janela.



EXT.RUA-DIA

Lolita e a mulher do carrinho de feira ainda estão na mesma
situação.

MULHER
Ai, minha filha, eu não posso
ficar aqui esperando.

LOLITA
Mas a senhora não quer ver esse
carro ser guinchado?

MULHER
Meus congelados vão estragar...

LOLITA
É... Tudo bem... Vamos por aqui,
eu ajudo a senhora.

Lolita deixa suas sacolas no chão e pega o carrinho da
mulher. As duas voltam até o fim do quarteirão e se
despedem. Quando Lolita se vira, um moleque de uns dez anos
está olhando dentro de uma de suas sacolas.

LOLITA
Ei, garoto, essas compras são
minhas!

O menino olha para ela, cata um dos sacos e sai correndo,
pulando por cima dos carros. Lolita corre atrás, mas
desiste diante do paredão de carros.



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Em casa, Joana, Mônica e Bianca, morrendo de rir, fazem um
lanche enorme. Sobre a mesa há um pacote de pão, uma caixa
de leite e outra de suco, achocolatado, manteiga,
requeijão, doce de leite, um bolo, queijos e frutas.



EXT.RUA-DIA

Ao longe, Lolita continua na calçada e conversa com algumas
pessoas, que depois voltam e seguem pelo outro lado da rua.
Só Lolita permanece lá. Amália também passa, observa a cena
e vê Lolita. Lolita pega o celular e disca.



INT.ESCRITÓRIO DE GUILHERME-DIA

Guilherme está sentado em sua escrivaninha abrindo e lendo
correspondências. Milene está atrás dele, fazendo uma
massagem em suas costas e esticando o pescoço para ler
também.

GUILHERME
Milene, depois você liga pra
aquele designer... como é o nome
dele? Hélio? ... e diz que o
prazo pra ele entregar o
material já acabou faz tempo.
Desse jeito, ele não vai receber
um centavo... Que gente mais
tratante! E o Weissman?

MILENE
Calma, chefe. Relaxa. Eu ligo
agora mesmo pro Hélio. E fica
tranquilo que esse canalha do
Weissman não me escapa.

Guilherme faz que sim com a cabeça, mas continua lendo
absorto.

MILENE
Tem certeza de que não quer um
cafezinho, chefe?

GUILHERME
Não, Milene, obrigada. Eu já
tomei... O Souza Pereira, deu
sinal de vida?

O celular TOCA. Milene continua com a massagem. Guilherme
atende.

GUILHERME
Alô... Oi, oi. Peraí... Milene,
você pode ir agora, obrigada. E
fecha a porta, tá? Não esquece
do Hélio.

Milene SAI.

GUILHERME
Oi, meu amor... Você está
onde?... Mas fazendo o quê na
rua há horas?... Pra que
processar a polícia carioca?...
E você ainda foi roubada?



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Lolita chega em casa. Joana, Bianca e Marcela continuam
comendo. A mesa está uma bagunça. As adolescentes acabaram
com o pacote de pão, a caixa de leite está derrubada e o
bolo pela metade.

LOLITA
Nossa, vocês chegaram com fome
da escola, não? Se eu soubesse
tinha comprado mais comida.

JOANA
É que a gente não almoçou, mãe.

Joana, Monica e Bianca caem na gargalhada. Lolita ri. Ela
não parece surpresa com o comportamento das meninas. Lolita
SAI em direção aos quartos.

LOLITA
Vocês não sabem o que me
aconteceu hoje...



INT.SALA DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Joana se despede de Bianca e Monica na porta.

MONICA
A gente que fuma e sua mãe é que
fica louca.

JOANA
Psiu! Ela é assim mesmo. Sempre
querendo procesar todo mundo.

BIANCA
Joana, está frio, me empresta
uma blusa?

JOANA
Claro, vem cá escolher.

Bianca e Joana SAEM em direção aos quartos. Monica espia o
corredor, abre a bolsa de Lolita, que está sobre o sofá,
tira a carteira, pega uma nota de 50 reais e coloca no
bolso.



EXT.CARRO DE LOLITA-FIM DE TARDE

No começo da noite, Lolita passa de carro com Guilherme,
Mariana e Gustavo pela mesma rua que tinha a calçada
bloqueada.

LOLITA
Olhaí, os carros continuam na
mesma posição. Não foram nem
multados!

GUSTAVO
Mãe, cê tá ficando louca!

MARIANA
Hi, mãe, vai começar de novo
essa história de querer
processar todo mundo?

LOLITA
É uma falta de consideração. A
polícia nem apareceu.

GUILHERME
(irritado)
Ai, Lô, você fica perdendo tempo
com essas bobagens. Esperar que
a polícia resolva qualquer coisa
aqui é burrice!

LOLITA
Bom, mas o que a gente faz numa
situação dessas? Tem que chamar
a polícia, o guincho, o
delegado, o prefeito, processar
todo mundo... A lei existe pra
isso!

GUILHERME
Lei?... Só você pra acreditar
nisso.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme está em sua sala. Ele abre seus e-mails e vê uma
mensagem pedindo que se recadastre no banco. Bruno passa
pelo corredor e dá um oi. Guilherme chama.

GUILHERME
Ô, Bruno, vem ver o mais novo
tipo de safadeza on-line.

Bruno ENTRA.

BRUNO
Ah, eu recebi um e-mail desses.
Viraram febre na internet.

GUILHERME
Aposto que ainda tem mané que
cai.

Milene aparece na porta. Está vestindo minissaia e blusa
bem decotada.

BRUNO
Com certeza. (para Milene) O
eletricista não veio ainda?
O verão está chegando e a gente
vai virar frango assado aqui
dentro.

MILENE
Jurou que vinha ontem de tarde,
mas ainda não apareceu. Eu vou
ligar de novo.

BRUNO
A única coisa boa do calor são
as suas roupinhas, Mileninha...

Milene ri. Bruno vai saindo da sala e segura o braço de
Milene.

BRUNO
E da posição de frango assado,
você gosta?

Milene se solta de Bruno deixando escapar uma ponta de
irritação.

GUILHERME
Milene, e o Souza Pereira? Pelo
menos esse depositou?

MILENE
Nada ainda, chefe.

Milene volta para sua mesa. O celular de Guilherme TOCA,
ele atende.

GUILHERME
Oi, Hélio. Queria mesmo falar
com você. E o nosso trabalho?...
Não recebeu a grana do outro?...
Mas já tá disponível. Eu mesmo
assinei a sua nota... Peraí.
(alto) Mileneeeeeee...



EXT.RUA-DIA

Lolita e Dora andam por uma rua. Em uma das mãos, Lolita
leva uma presilha de cabelo da filha.
Um carro enorme estaciona na calçada bem em frente delas e
o MOTORISTA desce.

LOLITA
(hesitante)
Moço, o senhor não acha, assim,
meio errado parar o carro na
calçada... Num lugar, assim,
onde passa um monte de gente...

MOTORISTA
Ah, minha filha, não enche. Olha
aí todo mundo parado na calçada.

LOLITA
Mas como é que eu vou passar?

MOTORISTA
(rindo e se afastando)
Se espreme que dá.

LOLITA
(alto)
Seu porco nojento!

O motorista se vira, ameaçador, e aponta o dedo para
Lolita. Lolita pega Dora no colo, atravessa a rua e vai
andando rapidamente.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme e Milene estão na sala de Guilherme. Guilherme
está sentado em frente à escrivaninha e Milene está de pé
na frente dele.

MILENE
... Mas o Hélio não mandou os
documentos pra eu fazer o
pagamento dele.

GUILHERME
Bom, então pede de novo. O que a
gente não pode fazer é deixar de
pagar...
E liga lá pro Souza Pereira que
eu mesmo vou falar... Mas quero
falar com ele, não com a
secretária.

MILENE
Tem certeza, Guilherme?... É
perda de tempo. Aposto que ele
vai jurar que já depositou. Esse
cara é o mais safado!

Milene SAI, vai até sua mesa, disca, fala, espera um pouco
enquanto folheia uma revista e depois passa para Guilherme.

MILENE
Pode atender aí, chefe.

GUILHERME
(ao telefone)
Oi, Pereira, como vão as coisas?



INT.ESCRITÓRIO DE SOUZA PEREIRA-DIA

SOUZA PEREIRA, um senhor de cerca de 50 anos, com ar
respeitável, terno e gravata está sentado a sua mesa,
falando ao telefone pausadamente.

SOUZA PEREIRA
Guilherme, meu caro, minha
secretária depositou o dinheiro,
em duas vezes: no começo do mês
e no dia 15, como a gente tinha
combinado... Mas como é que não
caiu, Guilherme? Deve ser um
problema do banco... Mas
Guilherme... (exaltado)
Guilherme, eu estou com os
recibos aqui!... É, quer que eu
passe por fax?... (acalmando-se)
Não sei o que aconteceu... Não,
não tem nada. Eu sei como são
esses mal-entendidos... Pra você
também... (desliga o telefone)
Mas que povo confuso!



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme desliga o telefone. Milene está em sua mesa.

GUILHERME
Milene, o sujeito disse que já
depositou e que está com os
recibos.

MILENE
Aposto que é mentira dele. Mas
eu vou checar.

GUILHERME
Bom, veja lá. É chato acusar sem
ter razão... Mas eu não vou
aturar outro calote. É a
terceira vez! O Weissman eu já
vou ter que botar no pau.

Milene entra na página do banco do computador e depois pega
o telefone.

MILENE
Olha, chefe, o depósito não caiu
ainda. Eu vou checar com a
gerente... Pode ser um problema
do banco.



EXT.RUA-DIA

Lolita e Dora desviam das mesas de um restaurante que tomou
todo o espaço dos pedestres na calçada, de bancas de
camelôs, mendigos, bicicletas etc. Lolita pára numa
vendinha e escolhe frutas, que o VENDEDOR coloca num
saquinho. Depois, tira a carteira da bolsa, abre e começa a
procurar o dinheiro.

LOLITA
Ai, moço, desculpe, mas eu tenho
certeza que tinha uma nota de 50
aqui... Não sei o que aconteceu.

VENDEDOR
Não tem problema, não.

LOLITA
Posso até ir até o banco tirar,
mas não gosto de caixa de rua,
sabe? Acho perigoso.

VENDEDOR
Deixa quieto. Leva as frutas,
depois a senhora me paga.

LOLITA
É mesmo, moço? Muito obrigada,
viu? Pode deixar que assim que
chegar em casa vou pedir para a
empregada passar aqui e pagar o
senhor. Muito obrigada mesmo!

VENDEDOR
Imagina. Tá tudo certo.

LOLITA
Vamos então, Dorinha?

Dora pega a presilha de cabelo que caiu no chão e entrega
para a mãe.

LOLITA
Já tirou, Dó? (examina a
presilha) Quebrou? Que porcaria!
Acabei de comprar! Mas não tem
problema, a gente cola de novo,
tá?

Lolita e Dora vão fazendo o caminho de volta para casa.
Para não ir pela rua, que está cheia de carros, precisam se
espremer entre um muro e o mesmo carro do motorista que
ameaçou Lolita, que continua estacionado na calçada.
Lolita, já bastante irritada, usa discretamente a presilha
da filha para fazer um risco na lateral do carro. Depois,
assustada, ela olha para os lados e segue rapidamente.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme está em sua sala. Bruno ENTRA.

BRUNO
(exultante)
Querido, você já leu o diário
oficial de hoje?

GUILHERME
Não, por quê?

BRUNO
É nossa, meu amigo! Nós
conseguimos aquela conta
fantástica da prefeitura!

GUILHERME
Conseguimos?

BRUNO
Acho que vamos precisar esfolar
uns dois ou três estagiários
porque é trabalho pesado. Veja
bem...

GUILHERME
(interrompendo)
Como você conseguiu, Bruno?

BRUNO
Eu disse que tenho meus
contatos...

GUILHERME
Mas foi só na esperteza ou você
molhou a mão de alguém?

De sua mesa, Milene finge que está ao telefone, mas fica
prestando atenção ao que eles dizem.

BRUNO
(rindo)
Que é isso, Guilherme? Você acha
que eu sou disso? Logo eu?...

GUILHERME
Tem certeza que não fez nada
errado?

BRUNO
Tenho, querido. Não fiz nada que
você não faria... Foi um detalhe
da nossa proposta que chamou a
atenção deles... Bom, como a
gente vai comemorar? Milene,
flor, vem cá.

Milene aparece na porta do escritório de Guilherme.

BRUNO
Vai ali no supermercado e compra
um champanhe pra gente? Mas
compra um bom, nada de espumante
vagabundo, tá?, meu amor. E
gelado!

Bruno lhe dá uma nota. Milene SAI com o dinheiro na mão.

GUILHERME
Mas, Bruno, conta essa história
direito. Um detalhe da proposta
foi tão importante assim?

BRUNO
Assiiiiiiiiim também não, né?
Mas fica tranquilo que eu não
fiz falcatrua... Eu só mexi meus
pauzinhos.(rindo)
Literalmente...

GUILHERME
Você comeu a mulher?

BRUNO
Brincadeira, meu irmão. Aquele
canhão, nem por toda a grana do
mundo! Mas joguei um charme, dei
a entender que podia ser... Não
é crime, é?

Bruno cai na gargalhada. Guilherme ri.



EXT.PORTARIA DO PRÉDIO DE LOLITA-DIA

Lolita chega com Dora carregando as compras. O porteiro,
BENEDITO, abre a porta. Lolita e Dora ENTRAM.

LOLITA
Tudo bem, seu Benedito?

BENEDITO
Ô, dona Lolita, eu preciso
conversar com a senhora.

LOLITA
Pode falar.

BENEDITO
É que a Vanessa, a moça que
trabalha lá com a senhora, levou
uma bicicleta da garagem do
prédio ontem a noite.

LOLITA
O quê? Como assim, Benedito?

BENEDITO
É que a bicicleta sumiu e ela
levou.

LOLITA
Ah, não, Benedito. Você está com
preconceito. Você acha que foi
ela só porque a Vanessa é negra?

BENEDITO
Não é, não senhora. É que ela
saiu daqui com a bicicleta mais
o namorado dela.

LOLITA
Benedito, mas a Vanessa jamais
faria isso. Ela é uma moça de
bem, sustenta a família, precisa
desse emprego.

BENEDITO
Mas eu tô falando, dona Lolita.

LOLITA
Olha, Benedito, eu não acredito
que a Vanessa tenha feito isso.
E é muito feio acusar os outros
sem prova. De qualquer jeito, eu
vou falar com ela.

BENEDITO
Mas eu... ela... A câm...

O elevador chega e Lolita entra com Dora e deixa o porteiro
falando sozinho.



INT.SALA DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme ENTRA. Gustavo e Mariana estão assistindo TV.
Lolita vem de dentro trazendo Dora nos braços, recém saída
do banho. Guilherme dá um beijo em Lolita e outro em Dora.

GUILHERME
Oi, gente.

LOLITA
Você não sabe o que aconteceu. O
Benedito acusou a Vanessa de
roubar uma bicicleta da
garagem... Agora, você acha que
ela faria isso?

GUILHERME
Claro que não, que absurdo! Vou
lá embaixo ver o que aconteceu.
Como é que eles fazem uma coisa
dessas?



EXT.RUA-NOITE

Joana, Bianca e Monica estão sentadas na mesinha de um café
que ocupa parte da calçada. Na rua, ao fundo, um flanelinha
discute com um motorista que tenta parar o carro.

JOANA
Ah, gente, sem camisinha nem
pensar! Tenho até nojo.

MONICA
Ai, sua boba. Nojo do quê?

BIANCA
E quando não tem camisinha você
faz o quê?

JOANA
Não quero nem saber, arrumo.

MONICA
Mas tem menino que não gosta de
camisinha. Diz que não sente
nada. Deve ser horrível pra eles
também.

JOANA
Não deve ser pior do que fazer
um aborto ou pegar uma doença.

BIANCA
Mas também não é tão fácil assim
de acontecer.

JOANA
Você que pensa. Uma amiga minha
lá de São Paulo ficou grávida e
a mãe levou ela pra fazer um
aborto. Disse que foi horrível.

MONICA
Mas aconteceu alguma coisa com
ela?

JOANA
Não, né? Ela foi numa clínica
legal. Mas ela disse que dói, dá
medo, sangra...

MONICA
(pensativa)
É, tá louco. Cê tá certa.

BIANCA
Ah, olha quem fala! Você não
transou com o Javé dentro do mar
aquele dia na Prainha? Até
parece que usaram camisinha.

MONICA
E como é que vai usar camisinha
dentro do mar?



INT.SALA DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme ENTRA desolado. Lolita, Gustavo e Mariana o
rodeiam.

GUILHERME
Foi ela.

MARIANA
Mas como eles podem ter certeza?

GUILHERME
A câmera do prédio gravou tudo.
Eu vi a Vanessa e o namorado
levando a bicicleta do médico do
201.

Lolita vai para a VARANDA e chora. Guilherme vai socorrê
la, abraça-a. As crianças ficam na SALA assistindo à cena.
Gustavo cutuca Mariana.

GUSTAVO
Eu disse.

MARIANA
Cala a boca. Não vê que a mamãe
ficou triste.

GUILHERME
Não dá pra entender...

LOLITA
Ela não podia fazer isso. A
gente sempre foi tão bom pra
ela, não foi?

GUILHERME
Não era o melhor emprego do
mundo, mas ela ganhava
direitinho, tinha carteira
assinada, décimo-terceiro,
férias...

LOLITA
A gente sempre confiou nela... E
as crianças são educadas, nunca
brigaram com ela... Ai, Gui, e
ainda tem os 50 reais que
sumiram da minha bolsa, será que
foi ela?

GUILHERME
Sumiram, é?... Sei lá, mas se
ela levou a bicicleta...

LOLITA
O que está acontecendo com as
pessoas? O que que a gente faz?



INT.BAR-NOITE

Joana ENTRA num bar com Silvio, Monica e Bianca. O lugar é
escuro, cheio e com música alta. Eles encostam no balcão.

SILVIO
(para o garçom)
Vê quatro cervejas.

O garçom coloca quatro latas sobre o balcão. Silvio entrega
às meninas. Silvio pega Joana pela cintura e os dois vão
para a pista de dança. O celular pendurado na cintura de
Joana pisca várias vezes, mas ela olha o visor e não
atende. Ela e Silvio se beijam ardentemente.



EXT.BEIRA DE UM LAGO-DIA

Lolita está caminhando na beira do mesmo lago. Dessa vez,
há tanta neblina que ela não consegue ver o outro lado.
Ela mal pode enxergar o que há em volta, mas percebe que a
margem em que está ficou ainda mais árida e suja. Ela
encontra o mesmo barqueiro.

LOLITA
Posso atravessar agora?

O barqueiro pula sobre ela. Lolita tenta fugir e cai num
poço que surgiu do nada.



INT.QUARTO DE LOLITA/CORREDOR-NOITE

Guilherme acorda com os gritos de Lolita.

LOLITA
(chorando)
De novo... Sonhei de novo com
aquele lugar. Foi horrível!

Guilherme a abraça. Os dois ficam assim um momento. Depois
ouvem a filha chegar em casa. Guilherme se levanta e vai
até a porta. Joana está no CORREDOR.

GUILHERME
Oi, Joana. Já tá super tarde.
Onde você tava?

JOANA
Num bar, pai. Fui dançar um
pouco.

GUILHERME
Por que você não atendeu o
telefone?

JOANA
(pegando o celular da cintura)
Ih, é mesmo, vocês ligaram? Nem
vi. O som tava muito alto... Boa
noite, pai.

Joana dá um beijo em Guilherme e entra em seu quarto.
Guilherme volta para a cama.

GUILHERME
Ela anda bebendo e fumando.

LOLITA
Não tenho a menor dúvida. E
maconha também. Mas não era isso
que a gente fazia na idade dela?



EXT.RUA-DIA

Lolita anda numa rua. A sua frente caminham um garoto de
uns 8 anos e um homem. O homem pára na banca de jornal e o
garoto vai até um muro e começa a fazer xixi. Ela chega
pertinho do menino.

LOLITA
Você sabe que é feio fazer xixi
na rua?

O garoto olha para ela assustado. Lolita aponta um cachorro
que vem em direção deles.

LOLITA
E que aquele cachorrão pode
comer seu pipi por causa disso?

O garoto olha o cachorrão, se assusta, sai correndo em
direção ao pai e faz xixi nas calças. Lolita ri. Amália, a
senhora que conhece Lolita da escola de natação, está
passando na rua e se aproxima.

AMÁLIA
Adorei o que você fez com esse
menino mal-educado.

LOLITA
Coitado, fiquei até com pena.

AMÁLIA
Que nada, tem que ser assim,
radical, educar desde criança. A
gente precisa de atitudes como
essa. Precisamos educar as
pessoas. Aliás, eu vibrei com o
que você fez na escola de
natação.

LOLITA
Ah, eu sabia que conhecia a
senhora de algum lugar...

As duas saem conversando. No caminho, Amália vai jogando
uma MOEDA para o alto.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Milene, com uma blusa decotadíssima e uma calça jeans
agarrada, está falando ao telefone e mexendo na conta do
banco na internet. Quando Guilherme chega, ela desliga o
telefone e muda de site.

MILENE
Oi, chefe, tenho uma notícia
ótima: o Weissman pagou!

GUILHERME
Pagou? Mas que sujeito mais
estranho. Num dia não responde
nossos telefonemas, no outro
paga assim, sem mais nem menos?

MILENE
Pois é. Acho que ele se encheu
de tanto que eu liguei lá.

GUILHERME
Bom, ótimo. Eu já ía pedir pra
Lolita entrar com uma ação.

MILENE
Quanto ao Souza Pereira, eu
conversei com a gerente do banco
e ela vai ver o que aconteceu
com o depósito dele... Ela disse
que deve estar bloqueado por
alguma razão, mas que o dinheiro
está lá.

GUILHERME
Menos mal.

Guilherme ENTRA no escritório. Milene levanta e vai atrás
dele com algumas correspondências na mão. Ela coloca as
cartas sobre a mesa, abaixando para deixar os seios à
mostra. Guilherme percebe e a encara. Milene sorri.

MILENE
Quer um cafezinho, chefe?



INT.AGÊNCIA DE EMPREGADAS-DIA

Lolita conversa com a ATENDENTE, que toma notas.

LOLITA
É para cuidar de três crianças,
mas duas já têm 12 anos. Na
verdade ela vai ficar mais mesmo
é com a Dora, que tem 2 anos...

ATENDENTE
... Dois anos... A senhora tem
preferência por alguma raça,
dona Lolita?

LOLITA
Raça?... Que é isso, minha
filha, que pergunta absurda!
Vocês deviam ser processados por
discriminação!

ATENDENTE
A senhora me desculpe. É que nós
não discriminamos ninguém,
mas... a senhora sabe... muitas
de nossas clientes realmente
preferem...

LOLITA
É, eu entendo, mas isso é tão
absurdo...



INT.QUARTO DE JOANA-DIA

Joana está no quarto com Silvio. Os dois estão ouvindo
música e namorando. Silvio tenta tirar a blusa de Joana.

SILVIO
Só um pouquinho, amor. Não tira
pedaço, não.

JOANA
Eu sei que não.

Joana tira a blusa e os dois se abraçam.



INT.AGÊNCIA DE EMPREGADAS-DIA

Lolita continua com a atendente.

ATENDENTE
A senhora tem preferência por
moças que sejam aqui do Rio
mesmo ou prefere de outros
estados?

LOLITA
Ah... Você tem alguém de fora,
talvez de São Paulo ou Minas?



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Milene está ao telefone em sua mesa, sussurrando.

MILENE
Imagina, boba. Homem é tudo
bobo. Eles pensam com a cabeça
do pau... Que nada, eu sou
superconfiável, entende? Fora
que sei de tudo o que se passa
aqui dentro...

Bruno e Guilherme estão no escritório de Guilherme, com as
portas fechadas. De sua mesa, Milene ouve a discussão dos
dois.

GUILHERME (O.S.)
Ah, não, Bruno, desta vez é
totalmente ilegal.

BRUNO (O.S.)
Não é, não. Pode ver aqui no
edital. Nós só fizemos o projeto
como eles queriam. É igualzinho
ao caso da prefeitura.

Milene olha pelo vidro. A câmera entrana sala de Guilherme.

GUILHERME
Mas desta vez você teve
informações sobre o conteúdo dos
outros projetos!

BRUNO
(falando baixo)
Shiiii, mas ninguém sabe disso.

A câmera volta para Milene, que continua ao telefone.

MILENE
Também, minha filha, aqui a
falcatrua rola solta. Se eles
descobrirem e quiserem vir pra
cima de mim, boto a boca no
trombone. Imagina só, vou virar
musa de CPI e posar pra Playboy!



INT.COZINHA DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Dora está num cercado na cozinha enquanto a empregada,
Rosa, passa roupa e ouve uma rádio evangélica que traz
relatos escabrosos de ex-viciados em drogas e traficantes.



INT.QUARTO DE GUSTAVO-DIA

Gustavo joga um jogo violentíssimo no vídeogame de seu
quarto.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Mariana passeia pela internet e entra em um site de
neonazismo.



INT.QUARTO DE JOANA-DIA

Joana ouve que a mãe chegou em casa. Ela e Silvio colocam a
roupa rapidamente. Ouvem uma batida na porta. Lolita ENTRA.
Os dois estão sentados na cama, vestidos, de mãos dadas.

LOLITA
Tudo bem com vocês?

JOANA
Oi, mãe, esse é o Silvio.

Silvio se levanta e cumprimenta Lolita.

LOLITA
Vocês comeram?

Eles fazem que sim com a cabeça. Lolita SAI do quarto.

LOLITA (O.S.)
Eu fui lá na agência ver se
arrumava uma nova babá. Eles vão
mandar umas pra cá pra gente
escolher... Agora já tenho que
sair de novo, vou encontrar umas
amigas...

Enquanto ouvem Lolita falando ao longe, Joana e Silvio se
beijam apaixonadamente e Silvio fecha a porta com o pé.



INT.CASA DE AMÁLIA-ENTARDECER

Na sala de um apartamento de clásse média, com móveis já um
pouco antiquados, estão Amália e alguns homens e mulheres
de classe média com idades variadas. A campainha TOCA,
Amália abre a porta e Lolita ENTRA.

AMÁLIA
Ah, nossa mais nova aliada
chegou. Deixa eu te apresentar
às pessoas. Gente, essa é a
Lolita, aquela advogada de São
Paulo que tem idéias ótimas...
Lolita, esse é o desembargador
Costa, a Yolanda, o Armando, a
Tereza, minha filha Rosana, você
já conhece...

Lolita ENTRA e vai cumprimentando cada um. Um senhor
sentado num canto brinca com uma MOEDA entre os dedos.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-NOITE

HÉLIO, um rapaz de 20 e poucos anos, ENTRA na agência.
Guilherme observa a cena de seu escritório.

HÉLIO
Milene, aqui estão os
documentos. Agora você não tem
mais desculpa pra não me pagar.

Milene pega os documentos de má vontade. Hélio vai até a
sala de Guilherme.

HÉLIO
Tudo bom, cara? Tá aqui o
material.

GUILHERME
Tudo e aí?

Hélio entrega um CD para Guilherme e volta para fechar a
porta.

HÉLIO
Cara, tem alguma coisa errada
aqui... Eu trabalho com o Bruno
faz tempo e nunca deixei de
receber. Mas com essa Milene,
meus pagamentos não saem.

GUILHERME
É mesmo? Mas tem certeza que tem
relação com ela?

HÉLIO
Certeza não, mas só pode ser.

Guilherme olha para Milene pelo vidro e vê que ela está
olhando para eles. Milene desvia o olhar.

GUILHERME
Eu vou checar isso então.



INT.CASA DE AMÁLIA-ENTARDECER

Lolita está com Amália, o DESEMBARGADOR, Rosana, um SENHOR
e uma SENHORA na sala.

LOLITA
Acho que podemos fazer esse
movimento crescer, sim. Temos
que angariar mais aliados.

DESEMBARGADOR
Mas como, minha filha? Parece
que hoje ninguém mais se importa
com a nossa cidade. Se você
soubesse como o Rio era no meu
tempo...

LOLITA
Eu posso imaginar...

AMÁLIA
Eu acho que temos que montar uma
rede. Encontrar gente que pense
como nós.

LOLITA
Podemos usar a internet, o
orkut. Eu vou ver isso.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Mariana escreve no computador. Lolita ENTRA.

LOLITA
Oi, filhota, tudo bom?

MARIANA
Tudo, mãe, e aí?

LOLITA
Filha, como se faz pra entrar no
orkut?

MARIANA
Você tem que ser convidada por
alguém que já é do orkut.

LOLITA
Você é, não é? Me convida?

MARIANA
Mas pra que você quer entrar no
orkut, mãe?

LOLITA
Ué, não posso? Quero rever meus
amigos, falar com o povo de São
Paulo. A mesma coisa que você.

MARIANA
Tá, senta aí que eu te mostro
como faz.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Guilherme está trabalhando no escritório. Lolita ENTRA e dá
um beijo nele.

LOLITA
Tá um dia tão lindo, amor. O
verão chegou. Tem certeza de que
não quer vir pra praia?

GUILHERME
Não dá, Lô. Eu estou cheio de
trabalho. Mas se eu acabar logo,
dou um pulo lá.

LOLITA
Bom, a gente tá lá na barraca do
Pelé.

Lolita SAI do escritório. Depois coloca a cabeça de volta e
pega uma MOEDA que está na estante.



EXT.RUA EM FRENTE AO PRÉDIO DE LOLITA-DIA

Gilda, a nova babá, que leva Dora pela mão, Mariana e
Gustavo já estão quase na esquina. Lolita SAI do prédio
rodando a MOEDA entre os dedos. No caminho, ela cumprimenta
duas ou três pessoas apenas com sorrisos e acenos de
cabeça, uma MOÇA joga uma MOEDA para o alto e faz um meneio
de cabeça em direção a um carro estacionado na calçada.

MOÇA
Aquele é meu. Eu vi primeiro.

Lolita ri e continua andando. A babá e as crianças estão
mais a frente. Quando passa por um carro estacionado na
calçada, Lolita usa a MOEDA para fazer um risco de fora a
fora na lataria do carro. De repente, Gustavo volta
correndo até onde está a mãe. Ele vê Lolita riscando o
carro. Ela olha para ele e faz sinal de silêncio.

LOLITA
(baixinho para Gustavo)
Foi sem querer, Gu. Mas ninguém
mandou ele parar em cima da
calçada, né? Calçada é para
pedestre.

Gustavo volta correndo para onde está a babá e as irmãs, um
pouco mais a frente. Lolita cruza com Amália na rua. As
duas sorriem.

LOLITA
Lindo dia, não?

AMÁLIA
Perfeito! Nos vemos amanhã?

LOLITA
Com certeza.



EXT.RUA-DIA

Lolita está dirigindo. Ela encontra uma vaga em frente à
escola das crianças, sinaliza que vai parar, mas outro
motorista entra na vaga antes dela e sai do carro rindo.
Irritada, Lolita tira das sacolas do supermercado duas
garrafas de vinho e coloca na frente e atrás do pneu do
carro que lhe roubou a vaga. Depois, ENTRA rapidamente no
seu carro e sai.



INT.BAR-ENTARDECER

Bruno e Guilherme tomam café encostados no balcão.

BRUNO
Acho muito difícil, Guilherme.
Ela foi super-recomendada.

GUILHERME
Sei lá, Bruno, mas o Hélio
reclamou muito da Milene.

BRUNO
O Hélio é meio folgado. Você não
vê que ele não entrega nada em
dia?

GUILHERME
Ah, mas e os nossos pagamentos?
O Souza Pereira ficou puto.
Disse que depositou tudo no
prazo, com recibo, e a grana
dele só caiu outro dia.

BRUNO
Isso não foi problema do banco?

GUILHERME
A Milene diz que foi, mas o que
a gente sabe? Ela controla tudo.

BRUNO
Tá bom, eu vou investigar. Mas
nada de crucificar a coitada
antes de ter certeza, né?

GUILHERME
Tá protegendo tanto por quê,
Bruno?

BRUNO
(rindo)
Ah, amigo, aquelas coxas,
aqueles seios...



EXT.RUA-DIA

Lolita passa de carro com Mariana e Gustavo no mesmo local
onde havia tentado estacionar. Ela vê que o motorista está
trocando o pneu e dá uma gargalhada. Mariana e Gustavo se
entreolham.

MARIANA
Que foi, mãe?

LOLITA
Nada, filha. É que aquele
canalha roubou a minha vaga na
cara dura e o pneu dele furou.

GUSTAVO
A maldição da mamãe é potente!

LOLITA
É mesmo, sai de baixo.

Gustavo e Lolita riem. Mariana fica olhando pela janela,
séria.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Em casa, Lolita escreve no computador, enquanto embala
Dora, que está dormindo no carrinho. Ela publica numa
comunidade do orkut a história do carro.

LOLITA
(para Dora, que dorme)
Olha, filha, sessenta e quatro
comentários para minha primeira
mensagem. Que sucesso!

Lolita abre a janela dos comentários e sorri ao lê-los.



INT.COZINHA DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme está encostado à bancada da cozinha temperando
uma carne. Então, coloca a cabeça pela porta e fala alto.

GUILHERME
Lô, você comprou o vinho pra
carne?

Guilherme volta para bancada. Lolita pára na porta da
cozinha, ainda penteando o cabelo molhado.

LOLITA
Ih, Gui, eu nem te contei, né?
As garrafas escorregaram da
minha mão. Quebrou tudo, foi um
horror.

GUILHERME
Jura? Caíram onde?

LOLITA
É... Na garagem... Na hora que
eu estava subindo com as
compras.

GUILHERME
Bom, tudo bem. Eu uso um pouco
do vinho que a gente vai beber
mesmo.

Guilherme pega uma garrafa de vinho e o saca-rolhas. Lolita
SAI e Mariana aparece na porta da cozinha.

MARIANA
Pai...

O interfone TOCA e ele atende.

GUILHERME
Oi... Ah, beleza, podem subir,
sim.

Guilherme coloca o interfone no gancho.

GUILHERME
Já chegaram. Mari, vai chamar
sua mãe.

MARIANA
Mas... Pai, eu queria falar com
você rapidinho...

GUILHERME
Agora não, né?, Mariana. Estou
ocupado. Chama a mamãe lá dentro
pra mim, vai?, por favor.

Mariana SAI sacodindo a cabeça.



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Cris e Bruno, Renata e Evandro e Lolita e Guilherme estão
sentados em volta da mesa conversando e jantando.

CRIS
... Mas é original pelo menos.
Eu nunca conheci nenhuma outra
Lolita.

LOLITA
(rindo)
Claro que não. Só o meu pai, que
provavelmente era um pedófilo
enrustido, pra dar esse nome na
filha.

RENATA
E sua mãe deixou?

LOLITA
Minha mãe sempre aceitou tudo
calada. E, nesse caso, quem
pagou o pato fui eu.

BRUNO
Mas é um nome tão bonito.

LOLITA
Bonito nada! Você nem imagina as
besteiras que eu já ouvi nessa
vida! Foi uma falta de respeito
do meu pai, isso sim.

GUILHERME
Pronto, lá vem você com essa
história de falta de respeito...

O interfone TOCA na cozinha duas vezes. Pouco depois, Joana
ENTRA na sala.

JOANA
Oi, gente, tudo bom? Mãe, vou
dar uma saidinha, tá?

LOLITA
Não demora filha.

Joana assente com a cabeça, dá um beijo em Lolita e SAI.



INT.QUARTO DE SILVIO-NOITE

Joana está sentada na cama de Silvio. O quarto é meio
desarrumado, típico de menino. Silvio ENTRA trazendo duas
cervejas. Entrega uma a Joana. Eles começam a se beijar.

CORTA PARA:



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Os três casais estão à mesa.

EVANDRO
Vocês já ouviram falar da nova
praga da cidade. Aliás, parece
que começou aqui em Ipanema...

TODOS
O quê?

EVANDRO
Alguém anda riscando os carros
que param sobre a calçada.

LOLITA
Mas isso é maravilhoso! Vco~es
não acham?

RENATA
Ah, eu acho. Esse povo é muito
folgado. A gente mal consegue
andar!

BRUNO
Eu ouvi dizer que tá rolando lá
no Leblon e até em Botafogo.

LOLITA
Em Botafogo?

EVANDRO
Amanhã vai sair uma nota no
jornal. Sabe que tem até uma
comunidade no orkut? Chama Rio
Legal e eles se intitulam os
justiceiros.

BRUNO
Legal? Legal pra quem?

RENATA
Ah, pra quem anda a pé! Adorei
esses justiceiros.

EVANDRO
E não estão pegando no pé só de
carro na calçada, não.
Tem um monte de relatos nessa
comunidade. Eles falam que
querem educar as pessoas...

CRIS
Ah, sei lá. Eu não gosto dessas
maluquices. Parece nazismo. Não
é assim que se resolve essas
coisas. E a internet espalha as
coisas muito rápido. É um
perigo.

LOLITA
É... Ah, Cris, é verdade que a
escola vai entrar em reforma?



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Mariana, que lê um livro no escritório, ouve a conversa dos
adultos.



INT.LAVABO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Lolita ENTRA no banheiro, olha-se no espelho e cobre o
rosto com as mãos como se estivesse envergonhada. Mas
quando tira as mãos, está dando uma bela risada.



INT.QUARTO DE SILVIO-NOITE

Joana e Silvio estão nus, quase transando.

JOANA
E a camisinha?

SILVIO
Ih, não tenho.

JOANA
Peraí que eu tenho.

Joana pega a carteira de dentro da bolsa que deixou do lado
da cama, tira uma camisinha da carteira e entrega a Silvio.

SILVIO
Ah, amor, camisinha não, vai?

JOANA
Ah, amor, camisinha sim!

Silvio continua beijando Joana com a camisinha na mão.

JOANA
Pára, Silvio. Coloca a
camisinha.

SILVIO
Jô, não precisa. Na hora eu
tiro. Juro!

JOANA
(empurrando Silvio)
Não!

A contragosto, Silvio tira a camisinha do envelope.

SILVIO
Caralho, como você é careta.



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Lolita volta à mesa onde Guilherme, Renata e Evandro, Cris
e Bruno estão terminando de jantar.

CRIS
...estão ficando malucas! Hoje
de tarde, um doido colocou duas
garrafas de vinho sob o pneu do
carro do pai de um aluno lá da
escola.

Guilherme olha para Lolita desconfiado.

CRIS
Agora, pra estragar duas
garrafas de vinho não pode ter
sido nenhum morador de rua.

Lolita repara que Guilherme está olhando para ela, levanta
e SAI em direção à cozinha.

LOLITA
Vou trazer a sobremesa.

BRUNO
Mas que desperdício! Por que não
botaram pinga?

Todos riem.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Mariana continua a ouvir a conversa dos adultos. Ela deixa
o livro que está lendo e se senta ao computador. Mariana
começa a vasculhar a internet. Ela entra na página da mãe
no orkut e não encontra a comunidade Rio Legal. Mas
descobre que Lolita tem poucos amigos, entre eles, uma
chamada Dona Justiça. A foto dessa amiga é a clássica
imagem da justiça com as balanças na mão. Entrando na
página da Dona Justiça, Mariana vê que ela tem vários
amigos com nomes estranhos, como Justiceiro do Leblon e
Dona da Rua, e que faz parte da comunidade Rio Legal.
Assustada, Mariana lê as mensagens da comunidade.



INT.QUARTO DE SILVIO-NOITE

Eles começam a transar, mas Joana percebe que Silvio não
colocou a camisinha e o empurra. Joana senta na cama.

JOANA
Caralho, Silvio, que sacanagem!

SILVIO
Ah, Jô, desculpa, escapou.

Silvio tenta segurar Joana e fala no seu ouvido.

SILVIO
É que eu tenho medo de colocar a
camisinha e não conseguir
depois...(ele faz um movimento
com o dedo para cima) Entende?

Joana levanta da cama e começa a se vestir.

JOANA
Sacanagem.

SILVIO
Que é isso? Você acha que eu ia
te fazer algum mal?

JOANA
(chorando de raiva)
Eu te falei que só quero com
camisinha!

SILVIO
Ah, amor, não chora, vem cá.
Larga de bobagem.

Ele levanta e tenta dar um abraço nela. Ela já está
vestida, empurra Silvio, pega a bolsa e SAI.



INT.SALA DE JANTAR DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme e Lolita começam a tirar a mesa. Os dois estão um
pouco bêbados e riem muito quando Guilherme quase derruba
os pratos que carrega. Lolita SAI em direção à cozinha.
Mariana está parada na porta do escritório observando a
cena. Lolita passa por ela.

LOLITA
Mari, você ainda está acordada,
filha? É tarde.

MARIANA
Tava lendo, mãe. Já vou pra
cama.

Guilherme passa equilibrando pratos e copos sujos.

MARIANA
(baixinho)
Pai, eu preciso muito falar com
você.

GUILHERME
Oi, filha, agora tá meio
difícil. Pode ser amanhã? Já que
você está aí, não quer ajudar a
gente a tirar a mesa?

Frustrada, Mariana vai para o quarto e bate a porta. Lolita
e Guilherme se entreolham.



EXT.RUA-NOITE

Ainda chorando, Joana anda pela rua sozinha, olhando para
os lados e se assustando com os carros que passam correndo.
Ela passa em frente a um bar. Alguns rapazes estão saindo,
cambaleantes. Um RAPAZ pára em frente dela.

RAPAZ
Oi, gatinha, quer dar uma volta
comigo?

Joana apressa o passo, tenta desviar. O rapaz impede a
passagem.

RAPAZ
Pô, gata, qualé? Eu sou um moço
de boa família, tenho carro...

Outros dois moços chegam perto deles. Joana vai saindo.

RAPAZ 2
Deixa a menina, cara. Ela deve
ter uns 15 anos.

RAPAZ 3
Maior chave de cadeia.

RAPAZ
(bem alto)
Que nada, eu adoro uma garotinha
inexperiente. Vem cá, vem,
princesa.

Joana sai correndo.



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme e Lolita estão na cama.

GUILHERME
Lô, confessa só pra mim: você
tem alguma coisa a ver com
aquela história do vinho no pneu
do homem?

LOLITA
(gargalhando)
Ai, Gui, foi só porque o sujeito
era um safado! Roubou minha vaga
e ainda saiu rindo do carro.

GUILHERME
(rindo também)
Mas você tinha que colocar as
duas garrafas?

LOLITA
Ah, na hora fiquei com raiva.
Nem pensei.

GUILHERME
Você está ficando doidinha que
nem esses justiceiros.

Lolita fica séria por um segundo.

LOLITA
Acho que estou mesmo.

Guilherme cai na gargalhada. Lolita também.



INT.SALA DO APARTAMENTO DE AMÁLIA-DIA

Lolita, Amália, o desembargador, Rosana, o casal de idosos
que estava na outra reunião e mais um SENHOR de uns 50 anos
estão sentadas em torno da mesa de jantar.

IDOSO
O dono da venda me disse que
muita gente já comentou que o
nosso Rio está voltando a ser
como antes.

SENHOR
É, em geral, as pessoas
concordam.

AMÁLIA
Mas a gente tem que tomar
cuidado. Muita gente não gosta.
Acha que é vandalismo.

IDOSO
Vandalismo é impedir a passagem
das pessoas de bem infringindo a
lei, roubar no troco, passar no
sinal vermelho... Isso é que é
vandalismo.

Todos concordam com a cabeça. Lolita acompanha a discussão
prestando muita atenção.

LOLITA
Não é todo mundo que vê a coisa
assim. Mas eu já estou estudando
o que fazer pra gente não ter
problema com a polícia.

ROSANA
Eu ainda acho que precisamos
partir para outras ações.
Afinal, riscar carros também é
contra a lei.

SENHOR
Mas eles estão errados primeiro.

ROSANA
Um erro não justifica o outro.
Se a polícia pega, a gente vai
pra a cadeia.

LOLITA
Por isso que temos que tomar
cuidado, analisar bem as leis e
os riscos que estamos correndo.

ROSANA
Eu acho que isso está ficando
grande demais. Todo mundo já
está comentando.

AMÁLIA
É isso que a gente quer!

ROSANA
Mas a gente não pode cometer
crimes. Se é um movimento pela
legalidade, não pode ser contra
a lei! A gente tá sendo
contraditório.

SENHOR
Mas essa é a única lição que
eles entendem.

Enquanto todos falam ao mesmo tempo, uma das pessoas brinca
com uma MOEDA.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme está no escritório. Milene ENTRA em sua sala
trazendo uma bandeja com uma xícara de café.

MILENE
Oi, chefe, trouxe o seu café.

GUILHERME
Ah, Milene, obrigada. O Bruno
ligou?

MILENE
Ele já está chegando.

Milene se abaixa para pegar um papel no chão e como está
com uma blusa decotada, sem sutiã, deixa os peitos à
mostra.
Depois coloca a mão no decote, fingindo que foi sem querer
e dá uma risadinha para Guilherme. Bruno ENTRA na sala e
Milene SAI.

BRUNO
Já vai, minha morena? Agora que
o Guilherme veio pra cá você não
quer mais saber de mim, né?

Milene ri e SAI.

BRUNO
Cuidado que você ainda vai
acabar na cama dela...

GUILHERME
Eu? Tá maluco?

BRUNO
(baixinho, rindo)
Olha, vale a pena! A mulher é um
avião em todos os sentidos.

Guilherme também ri. Bruno fica sério.

BRUNO
Cara, agora é serio, a gente tem
que assinar os papéis da
licitação do governo hoje. O
sujeito está me pressionando.

GUILHERME
Acho que é melhor deixar pra lá.
Eu não gosto dessas coisas.

BRUNO
Mas o mercado anda ruim,
querido. Com a conta da
prefeitura e essa dá pra ficar
tranquilo o ano todo. Não
precisa mais correr atrás de
cliente pequeno.

GUILHERME
Não tá tão ruim assim.

BRUNO
Sei não... Nossa vida é cara,
querido...



EXT.FRENTE DA ESCOLA DE JOANA-DIA

Joana sai da escola com Monica e Bianca. Silvio vai atrás.
Ele chega ao lado de Joana, que pára. Monica e Bianca
continuam andando, olham para trás e comentam baixinho.

JOANA
Ai, Silvio, nem vem.

SILVIO
Ô, meu amor, me desculpa, vai?

JOANA
Não tem desculpa.

SILVIO
Mas eu prometo que foi a última
vez. Última mesmo. Prometo.

JOANA
Jura?

Os dois saem andando e conversando.



INT.BAR-NOITE

Guilherme e Evandro estão em um bar. Em frente ao balcão
onde se sentaram há uma televisão onde passa o jornal.

EVANDRO
Olha lá, está na TV.

APRESENTADOR NA TV
...começaram riscando carros em
Ipanema e tomaram conta da
cidade.

RAPAZ NA TV
Uma velha maluca apareceu do
nada com uma pazinha e jogou
caca de cachorro em cima de mim!
Ela ficou gritando que eu devia
limpar a sujeira do meu
cachorro...



EXT.RUA-NOITE

Renata está parada na beira da avenida que circunda a Lagoa
Rodrigo de Freitas. Ela espera o sinal de pedestres para
atravessar. Quando fica verde e Renata vai atravessar, um
carro passa a toda velocidade. Renata toma um susto.



INT.BAR-NOITE

Guilherme e Evandro continuam assistindo a TV.

MOÇA NA TV
...cheguei em casa e todos os
vidros estavam quebrados. Então
vi um bilhete que dizia que era
minha obrigação consertar a
calçada!

BARRAQUEIRO NA TV
Rasgaram minha barraca só porque
joguei umas cascas de coco na
praia!

APRESENTADOR
Certo ou errado, a verdade é que
esse estranho movimento já
conseguiu diminuir o número de
carros na calçada.

APRESENTADORA
E os justiceiros ganharam até
aliados. Uma academia colocou na
água da piscina uma substância
que fica vermelha em contato com
a urina.

APRESENTADOR
E uma companhia de ônibus
decidiu punir com demissão
motoristas e cobradores que não
respeitarem os passageiros.

Renata chega ao bar, cumprimenta os dois e acena para o
garçom pedindo um chope.

RENATA
Oi, meninos. Vocês não sabem...

EVANDRO
Shiiii, estão falando dos
justiceiros.

APRESENTADORA
O grupo já tem até uma
comunidade com mais de 600
integrantes no orkut, a mais
popular rede de relacionamentos
da internet.

APRESENTADOR
Mas, apesar dos resultados, a
polícia não está feliz com a
atuação dessas pessoas.

POLICIAL NA TV
Estamos atrás deles porque
muitas dessas ações podem ser
consideradas criminosas.

APRESENTADOR
E agora, a previsão do tempo...

RENATA
(com um copo de chopp na mão)
Um brinde à revolução de Lolita.

Os três brindam.

RENATA
E cadê ela.

GUILHERME
Está vindo aí.

EVANDRO
Fala sério, Guilherme, a Lolita
está involvida nisso? Pô, eu
estou querendo entrevistar um
justiceiro e até agora só
encontrei falsários. Quem sabe a
Lolita não pode me ajudar?

GUILHERME
Que é isso, Evandro? A Lolita
tem aquele jeito dela, mas não é
maluca. Aposto que isso é circo
da mídia. Daqui a pouco passa.

RENATA
E as pessoas vão voltar a parar
seus carros na calçada
tranquilamente e passar no sinal
vermelho... Eu quase fui
atropelada aí na frente.

EVANDRO
Esse sinal de pedestre é
perigosíssimo.

RENATA
Acho que eu é que vou virar
justiceira.

EVANDRO
Ah, vai fazer justiça com as
próprias mãos agora, é?

GUILHERME
(brincando)
Bobagem. Melhor votar nos
políticos certos e esperar que
eles resolvam tudo para nós.

Os três caem na gargalhada.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Lolita está no computador lendo mensagens no orkut. Joana
ENTRA. Lolita muda de página da internet.

JOANA
Mãe, vou sair um pouquinho com o
Silvio, tá?

LOLITA
(sem prestar muita atenção)
Tá, filha, mas volta cedo. Eu
não gosto que você fique na rua
até tarde. Essa cidade é muito
perigosa.

JOANA
A gente vai na casa da Monica. É
aqui do lado.

LOLITA
Tá, mas deixa o celular ligado.

Joana dá um beijo na mãe e SAI. Lolita entra no orkut
novamente. Ela lê os comentários na comunidade Rio Legal.
Entra em um comentário que começa assim: "Eu quase bati o
carro..."



SEQUÊNCIA DE CENAS:



EXT.RUA-DIA

Uma senhora quase bate o carro porque uma garota, de
repente, pára na faixa da direita de uma avenida na beira
do mar para conversar com as amigas que estão no calçadão.
A senhora espera a garota andar e vai atrás dela. Logo
depois, quando a garota estaciona e sai do carro, a senhora
picha no carro da garota a palavra irresponsável com spray
vermelho.



EXT.RUA-DIA

Uma velhinha tenta sentar num banco do ônibus, mas um
garoto ocupa o lugar antes dela. Antes de descer, ela lhe
dá um pisão no pé.



INT.BANCO-DIA

Chamado pelo caixa, um homem fura a fila do banco. Um
senhor que está na fila vai até a sala gerente, tira uma
carteira, mostra e fala alguma coisa. O gerente vai até o
caixa e lhe dá uma bronca. Todos na fila aplaudem.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Lolita continua no computador. O celular TOCA. Lolita
atende, mas sem prestar atenção, sempre olhando para o
computador.

LOLITA
Alô?... Oi, meu amor... Não,
agora não vou mais, ficou
tarde... Tá bom, vem logo... Um
beijo.

Lolita escreve uma mensagem no computador: "Vamos brigar
até que eles entendam que não desistiremos de lutar por uma
cidade melhor!"



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Mariana está no computador. Ouve a porta da rua se abrindo
e barulho de chaves.

MARIANA
Pai, vem cá.

Guilherme ENTRA no escritório.

GUILHERME
O que você está fazendo acordada
a esta hora, Mari?

MARIANA
Eu preciso te mostrar uma coisa.

GUILHERME
Agora não. É muito tarde, filha.

MARIANA
Agora sim, pai! Eu tô tentando
te falar há dias! É importante.
Olha aqui o mamãe tá fazendo!

Mariana entra na comunidade do orkut e mostra as mensagens
de Lolita.

GUILHERME
Mas quem disse que essa Dona
Justiça é sua mãe.

MARIANA
Eu sei que é, pai. Mamãe pediu
pra eu convidar ela. E essa Dona
Justiça é uma das únicas amigas
dela. Ela se convidou e criou um
perfil falso.

GUILHERME
Você tem certeza?

MARIANA
Absoluta! Quando a mamãe viu a
notícia dos justiceiros na TV,
ficou toda assustada e foi
correndo ligar pra alguém.

GUILHERME
Pra quem?

MARIANA
Sei lá, mas ela tava falando
disso.

Guilherme lê as mensagens sem querer acreditar.



INT.QUARTO DE SILVIO-NOITE

Joana e Silvio estão no quarto de Silvio aos beijos. Os
dois tiram a roupa e Silvio coloca a camisinha. Os dois
transam.



EXT.BEIRA DE UM RIO-DIA

Lolita está em um barco no meio de um rio calmo, sem
qualquer correnteza. O barqueiro rema devagar, e os dois
curtem o vento. Do outro lado do rio, há muitas árvores. Na
margem que eles deixam para trás não há árvores, só
montanhas de lixo. Entre o lixo, ela vê o marido, os filhos
e outras pessoas acenando para ela. Lolita se vira e,
sorrindo, encara as árvores a sua frente. Ela não percebe,
mas o barco está se enchendo de água. Quando ela olha
novamente para a margem da qual saiu, não vê mais ninguém.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme está lendo as mensagens no computador. Ele cobre
o rosto com as mãos. Mariana está a seu lado.

MARIANA
A mamãe vai ser presa?

GUILHERME
Claro que não, Mari. Que idéia!
Cadê ela?

MARIANA
Foi dormir.

GUILHERME
Acho que então é melhor a gente
ir também.

Guilherme e Mariana ENTRAM no CORREDOR. Guilherme leva a
filha até a porta do quarto dela e lhe dá um beijo.

GUILHERME
Não se preocupa, tá?



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Guilherme ENTRA e sacode Lolita. Ela acorda assustada.

LOLITA
Oi... Que foi?... Sabe que eu
estava sonhando de novo? Eu
estava quase chegando do outro
lado do rio. Era muito lindo lá.
Mas ai...

GUILHERME
(furioso)
Acorda, Lô. Desse jeito o máximo
que você vai conseguir é chegar
numa prisão.

LOLITA
Que prisão, tá louco?

GUILHERME
A Mariana me mostrou o que você
anda fazendo no orkut.

LOLITA
(sentando na cama)
Ah é? Eu entrei mesmo na
comunidade dos justiceiros e
daí? Por acaso é crime?

GUILHERME
É crime fazer apologia ao crime,
sim, senhora. Você não sabe
disso?

LOLITA
Mas eles não têm como me pegar.

GUILHERME
Claro que têm, Lô. Fácil, fácil.
Mas não importa. O que você está
fazendo é errado.

LOLITA
Fala baixo! Você vai acordar as
crianças. Eu já dei uma olhada
na lei. Essa coisa de internet é
muito nova, nem tem
jurisprudência. E a gente não tá
fazendo nada de mais. Eu já
conversei com outro advogado...

GUILHERME
Que advogado?

LOLITA
É... É um cara lá do orkut. Na
comunidade, a gente sempre diz
que as histórias são ficcionais.
Aí a polícia não pode fazer
nada.

GUILHERME
Isso é maluquice completa...
Apologia ao crime... Está
errado. Você não percebe? Justo
você... Nunca imaginei...

LOLITA
Tá, Gui, pode não ser o melhor
caminho, mas é a única língua
que as pessoas entendem. E a
gente já tá conseguindo mudar as
coisas. você não viu como tem
muito menos carro parado na
calçada?

Guilherme sacode a cabeça sem acreditar no que ouve.



EXT.EM FRENTE DO PRÉDIO DE LOLITA-NOITE

Joana e Silvio estão se beijando.

SILVIO
Amanhã eu tenho prova. Se a
gente não se encontrar na
escola, eu te ligo, tá?

Os dois se beijam de novo e Joana entra no prédio toda
feliz. O celular de Silvio TOCA e ele olha o visor antes de
atender. Está escrito Bianca.



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Lolita e Guilherme continuam discutindo.

LOLITA
Eu estou fazendo isso pelos
nossos filhos...

GUILHERME
Isso, pelo amor de Deus, pensa
nas crianças. Você tem quatro
filhos... Eu estou te pedindo:
pára com isso agora. Você não
percebe que é contra a lei?
Imagina se você vai pra
cadeia... Como é que fica sua
profissão? E as crianças?... A
Mari já está superpreocupada.

LOLITA
Eu vou falar com ela amanhã...
(faz um carinho no marido) Gui,
esse movimento é bacana. A gente
está mudando a cidade, entende?

Guilherme se afasta, vai para o banheiro, deixa a porta
aberta e lava o rosto.

GUILHERME
Você está ficando louca.

LOLITA
Não se preocupe. Vai ser tudo
dentro da lei, prometo.

GUILHERME
Dentro da lei? Vocês riscam os
carros, agridem os outros, jogam
cocô de cachorro nas pessoas!
Isso é dentro da lei?

Eles ouvem Joana chegando em casa.

LOLITA
Ai, chega, Guilherme! Você devia
era se preocupar com a sua
filha, que só chega em casa de
madrugada.

Guilherme volta do banheiro e senta na cama encarando
Lolita.

GUILHERME
Jura que você vai largar isso
tudo agora?... Por mim, Lô?

LOLITA
Tá bom, Guilherme. Se é tão
importante pra você, eu largo.

Lolita dá um beijo em Guilherme, que começa a trocar de
roupa. Lolita se vira para o outro lado, pega uma MOEDA no
criado-mudo e brinca com ela entre os dedos. Depois coloca
a MOEDA dentro da gaveta e fecha a gaveta.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme chega à agência de cara amarrada. Milene já está
em sua mesa.

GUILHERME
Bom dia, Milene.

Guilherme ENTRA em seu escritório. Milene vai atrás. Ela
veste um vestido justo, muito decotado nas costas e curto.

MILENE
Bom dia, chefe. Tudo bem?

GUILHERME
(sem prestar atenção nela)
Tudo, Milene. Tem algum recado?

MILENE
Não, por enquanto está tudo
tranquilo.

GUILHERME
Ótimo, obrigada.

Milene volta para sua mesa. Bruno chega e passa por Milene.

MILENE
Bom dia.

BRUNO
(seco)
Bom dia, Milene.

Bruno ENTRA na sala de Guilherme.

BRUNO
Preciso falar com você.

Bruno fecha a porta e Milene fica olhando para a sala,
tentando ouvir o que eles dizem, com cara de preocupada.
Então Milene se levanta e vai até o escritório de
Guilherme.

MILENE
Vocês querem um cafezinho?

BRUNO
Agora não. Dá licensa, Milene? A
gente tem que conversar. Se
ligarem, diga que estamos em
reunião e pega o recado, tá?

Milene volta a sua mesa, pega o telefone e disca.

MILENE
Oi, sou eu... Menina, o
Guilherme entrou de cara
amarrada e Bruno chegou aqui
espumando... Sei lá. Agora eles
estão trancados na sala do
Guilherme conversando. Será que
descobriram alguma coisa?...



EXT.RUA-DIA

Lolita anda na rua empurrando o carrinho de Dora. Não há
nenhum carro parado na calçada. Elas viram uma esquina e
Lolita vê um. Chega perto com a MOEDA na mão. Olha para os
lados, está indecisa. Mas resolve continuar andando.

LOLITA
(para Dora)
Você tá com calor, filha? A
gente já tá indo pra piscina,
viu, Dorinha?



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme e Bruno estão na sala de Guilherme.

BRUNO
Querido, não tem outro jeito. Ou
você topa agora ou a gente
esquece essa conta pra sempre.

GUILHERME
Mas, sério, Bruno, se a gente
não pegar essa conta...

BRUNO
A gente pode se preparar para um
período de aperto. Esses
clientes pequenos são todos
caloteiros, você viu! Acho que
talvez a gente precise mudar de
escritório... Não sei. Vai ser
difícil...

GUILHERME
Tem outra solução?

Bruno faz que não com a cabeça e coloca um documento na
frente de Guilherme. Guilherme olha o papel demoradamente,
olha para Bruno, ajeita o documento e assina. De sua mesa,
Milene acompanha a cena ainda ao telefone.

MILENE
Ele acabou de assinar um papel.
Deve ser pra entrar na tal da
concorrência fraudada... O
Guilherme não queria... Não vi,
Rosa, mas tenho certeza que é
isso... Não, não é nada com a
gente.



INT.ESCOLA DE JOANA-DIA

Num intervalo de aula, da janela de sua classe, Joana vê
Silvio saindo da escola.

JOANA
(pela janela)
Silvio!

Silvio acena para ela e faz sinal de que liga depois. Joana
sorri, manda um beijo e fica seguindo Silvio com os olhos.



EXT.RUA-DIA

Lolita vai entrando na escola de natação com Dora. O
celular TOCA.

LOLITA
Oi, Gui, tudo bem?... Tá mal por
quê? Se for aquele assunto, pode
esquecer...



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Guilherme no escritório falando ao telefone.

GUILHERME
Não, não tem nada a ver com
isso. São umas coisas aqui do
escritório. Eu te conto depois.



INT.ESCOLA DE NATAÇÃO-DIA

Lolita desliga o celular. Ela e Dora chegam na piscina e a
mulher que falou para a filha fazer xixi na água não está.
Há um cartaz dizendo que agora a piscina tem detector de
urina. As duas pulam felizes na piscina, sob os olhares
cúmplices de Amália, que está sentada num banco, e de sua
filha, Rosana, que está dentro da água com seu bebê.



EXT.RUA-DIA

Joana sai da escola com Monica e liga para Silvio do
celular. Ninguém atende.

JOANA
Estranho, onde será que o Silvio
foi?

MONICA
Ele deve estar na praia. Vamos
lá?

As duas saem andando.



INT.SALA DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Lolita ENTRA em casa com Dora. A babá vem pegar a menina.

LOLITA
Pronto, Dorinha, agora a Gilda
vai te dar um banhão.

Mariana ENTRA na sala.

MARIANA
Mãe, o que o papai te falou
ontem?

LOLITA
Sobre o quê, filha?

MARIANA
Sobre esse negócio de comunidade
no orkut e sair riscando carro
por aí.

LOLITA
Mariana, filha, esquece essa
história? Você tá deixando seu
pai preocupado.

MARIANA
Mas disseram na TV que quem faz
isso vai pra cadeia!

LOLITA
Eu não fiz nada, Mari.

MARIANA
Mãe, o Gustavo viu você riscando
um carro.

LOLITA
Foi sem querer, filha. Você acha
que sua mãe é maluca?

MARIANA
Jura por Deus?

LOLITA
Juro, juro por vocês. Agora vai
fazer sua lição.

Lolita dá um beijo na filha e as duas SAEM da sala.



INT.AGÊNCIA DE BANCO-DIA

Milene está sentada na frente da mesa de ROSA, uma moça de
30 e poucos anos, vestida num terninho azul bebê. Numa
plaquinha sobre a mesa está escrito: Rosa Camargo, Gerente.

MILENE
Dessa vez deu medo, Rosa. O
Bruno chegou com uma cara! Mas
depois eu saquei que era só mais
uma daquelas falcatruas deles.

ROSA
O que eles aprontaram agora?

MILENE
Conseguiram umas informações
sobre uma concorrência do
governo. Vão abocanhar uma bela
grana. Agora sim a gente vai
aproveitar.

Rosa olha para os lados, vê um senhor se aproximando e
discretamente coloca o dedo nos lábios pedindo silêncio.



EXT.RUA-DIA

Lolita leva Dora no carrinho. Amália está um pouco mais a
frente acompanhada de Rosana e da neta.

LOLITA
Amááália.

Amália se vira e vem até onde Lolita está.

LOLITA
Eu não vou poder ir hoje a
noite. Tô com um problema.

AMÁLIA
Mas que é isso, Lolita? Por quê?

LOLITA
Meu marido e minha filha
descobriram... O Guilherme ficou
transtornado... E a Mariana tá
muito preocupada... Eu não quero
problema com a minha família,
entende? É melhor eu parar.

AMÁLIA
Que pena, Lolita. Sua entrada
deu uma força extra para o
movimento.

Lolita sorri e levanta os ombros conformada.

LOLITA
Eu sei, Amália, é uma pena. Mas
a minha família vem primeiro.
Daqui a pouco todo mundo vai
entender o movimento e vai
apoiar, mas por enquanto...

AMÁLIA
Mas a gente ainda se fala.

LOLITA
Com certeza.



EXT.RUA DO BAR-DIA

Silvio está sentado numa mesinha na frente de um bar com
alguns amigos. Seu celular TOCA. Ele pega e vê pelo visor
que é Joana quem está ligando. Ele não atende. Biana chega
e senta na mesma cadeira que Silvio.

BIANCA
Oi. Me paga uma cerveja?

Silvio abraça Bianca pela cintura.

SILVIO
Claro, gata.

O celular de Silvio TOCA outra vez. Ele olha de novo e
mostra para Bianca. Silvio fala alguma coisa no ouvido de
Bianca. Os dois riem.



EXT.RUA DO BAR-DIA

Joana vem dobrando a rua com Mônica, celular no ouvido,
esperando que Silvio atenda. Ela vê Silvio sentado na
frente do bar mostrando o celular a Bianca. Joana pára
antes que eles a vejam e segura o braço de Monica. Ela liga
de novo.

MONICA
Que foi, Joana?

Joana faz um sinal com a cabeça e Mônica vê Silvio e
Bianca.

MONICA
Eu vou lá ver o que está
acontecendo.

Monica sai andando e Joana fica parada na esquina.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Bruno está em seu escritório. A campainha SOA várias vezes.
Bruno se levanta, vê que Milene não está na mesa e
Guilherme não está em sua sala. Bruno sai de seu escritório
e abre a porta e vê um OFFICE BOY.

OFFICE BOY
Oi, a Milene está?

BRUNO
Não.

OFFICE BOY
Ela disse que era para deixar
essa cobrança com ela.

BRUNO
É pra ela?

OFFICE BOY
(olhando o envelope)
É da Syrus... Ela pediu pra
deixar com ela.

Bruno tira o envelope da mão do garoto.

BRUNO
Pode deixar que eu entrego.

Bruno volta para sua sala, abre o envelope e examina a
conta. Milene ENTRA.

BRUNO
Milene, como é que a gente não
pagou essa conta do design da
Syrus? Eu autorizei o pagamento
há mais de dois meses!

MILENE
Oi?!... Ah, a Syrus... Chegou a
conta?... O moço me disse mesmo
que ia chegar, mas e que foi um
engano deles.

Milene deixa a bolsa e um casaquinho sobre sua mesa e ENTRA
no escritório de Bruno. Ela vai até Bruno e tira a conta de
sua mão.

MILENE
(sedutora)
Não se preocupe, chefinho, eu já
resolvi tudo com o pessoal de
lá.

Milene vai para a sua mesa e Bruno a segue com os olhos.

BRUNO
(para si mesmo)
Tenho certeza que já...



EXT.AVENIDA DA LAGOA-DIA

Lolita, Gustavo e Gilda, que leva Dora no carrinho, estão
esperando o sinal de pedestre ficar verde para atravessar a
rua em direção à ciclovia da Lagoa. Há um carro parado na
calçada que impede que os motoristas vejam se há algum
pedestre na calçada. O sinal de pedestres fica verde. Eles
começam a atravessar. Como está na bicicleta, Gustavo sai
primeiro. Um carro não pára no sinal vermelho e bate na
roda da frente da bicicleta de Gustavo, que é atirado para
longe. O carro não pára. Lolita, Gilda e outros pedestres
correm até Gustavo. Outros carros que vinham em velocidade
pela avenida brecam fazendo muito barulho.

LOLITA
Gustavo, meu filho! Ai, Deus,
você está bem?

Ainda deitado, Gustavo faz que sim com a cabeça.

PEDESTRE
Ei, é melhor sair do meio da
rua, os carros vêm a toda.

PEDESTRE 2
Que absurdo, o menino estava
passando no sinal verde!

PEDESTRE 3
É o fim. Alguém anotou a placa
do carro?

Como o sinal abriu, vários carros passam correndo muito
perto de onde a confusão se instalou. Um dos carros pára e
sai uma MOÇA vestida de branco.

MOÇA
O que aconteceu? Tem alguém
ferido? Eu sou médica.

LOLITA
Ai, ainda bem. Meu filho foi
atropelado.

MOÇA
Deixa eu ver.

A moça se aproxima e começa a examinar Gustavo com cuidado.
ele tem as mãos raladas e um ferimento na perna, que sangra
bastante.

MOÇA
E aí, rapaz, onde dói?



INT.ESCRITÓRIO DE GUILHERME-DIA

Guilherme está ao telefone. Bruno passa pelo vidro e faz um
sinal de que quer falar com ele. Guilherme faz um sinal
para ele esperar.

GUILHERME
(ao telefone)
Mas como é que ele está,
Lolita?... Você tem certeza?...



INT.SALA DE ESPERA DE UM HOSPITAL-DIA

Lolita ao telefone. Gustavo ENTRA acompanhado da moça que o
socorreu.

LOLITA
(ao telefone)
Eles estão saindo. Tá tudo bem.
Eu te ligo daqui a pouco... Mas
fica tranquilo... Um beijo.



EXT.RUA DO BAR-DIA

Monica mostra Joana para Silvio e Bianca, que continuam
sentados na mesma cadeira no bar. Silvio dá risada e faz um
sinal para Joana. Ela sorri e corre até eles. Joana ENTRA.

JOANA
Oi. Eu te procurei.

SILVIO
Eu sei. Tô bem aqui.

JOANA
Por que você não atendeu o
celular?

SILVIO
Porque não estava a fim.

Joana olha para ele surpresa. Silvio sorri e dá um beijo na
boca de Bianca, que corresponde. Os dois ficam se beijando
na frente de Joana. Joana olha sem dizer nada e depois vai
para o banheiro.



INT. ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Lolita está lendo mensagens no orkut. A campainha TOCA.
Depois de alguns segundos, Amália ENTRA.

LOLITA
Oi, Amália. Você viu o que
aconteceu com meu filho?

AMÁLIA
Eu recebi seu e-mail. Como ele
está?

LOLITA
Agora tá tudo bem. Mas e o
susto?... O canalha passou no
sinal vermelho.. e claro que
tinha um carro na calçada. Ai,
Amália, me deu uma raiva!

AMÁLIA
É por isso que a gente não pode
parar, Lolita.

Lolita fecha a porta.

LOLITA
Você tem toda razão. Não dá pra
ficar como está.

AMÁLIA
Hoje a noite a gente vai dar um
jeito naquele restaurante da
Lagoa. Você quer ir?

LOLITA
Claro, Amália. Depois do que
fizeram com meu filho? Eles
merecem!

AMÁLIA
Ótimo... Eu vou indo, então.

Amália abre a porta do escritório e vê Mariana. Ela faz um
carinho na garota, que olha para ela com raiva e SAI
correndo.



INT.BANHEIRO DO BAR-DIA

Joana está no banheiro, chorando. Monica ENTRA.

MONICA
Pode parar de chorar porque
esses dois não valem nada!

JOANA
Mas até ontem tava tudo bem, Mô!
O que aconteceu?

MONICA
Sei lá, os homens são malucos...
(faz um carinho em Joana) E essa
Bianca é uma cachorra!

JOANA
E ela era minha amiga!

Joana continua chorando. Monica a abraça, protetora. Monica
tira um baseado do bolso e acende.

MONICA
Pronto, fuma aqui e vê se se
acalma.

Joana pega o baseado e dá uma tragada profunda.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-DIA

Bruno está em sua sala checando alguns papéis e fazendo
anotações. Sua escrivaninha está cheia de documentos. Ele
se levanta, fecha a porta e pega o telefone. Enquanto fala
com alguém e parece surpreso com o que ouve, fica olhando
Milene pelo vidro.



INT.APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Joana ENTRA. Gustavo está na sala assistindo TV e jogando
uma MOEDA para cima, Joana passa por ele sem dizer nada e
passa pela porta do escritório. Mariana está lá.

ESCRITÓRIO

MARIANA
Jô, vem cá.

JOANA
(coloca a cabeça para dentro)
Que foi, Mari?

MARIANA
(baixinho)
Eu preciso conversar com você. É
sobre a mamãe...

JOANA
Ai, Mari, agora? O que a mamãe
aprontou?

MARIANA
Ela.. Que foi, você chorou?

Joana, que está com os olhos inchados do baseado e de
chorar, SAI.

JOANA (O.S.)
Não foi nada. Depois a gente
conversa. Eu vou tomar um banho.
Tenho uma festa. Cadê mamãe?

MARIANA
Saiu.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-DIA

Mariana entra no MSN e chama Guilherme para uma conversa.
As mensagens vão aparecendo na tela do computador:

MARIANA
"Oi, pai. O que a mamãe falou
ontem?"

GUILHERME
"Oi, Mari. Ela disse que ia
conversar com você, não
conversou?"

MARIANA
"Conversou. Mas eu acho que ela
tá mentindo."

GUILHERME
"Que é isso, filha? Não fala
assim."

MARIANA
"Ela vai fazer alguma coisa hoje
a noite."

GUILHERME
"Ela me ligou agorinha. Disse
que vai jantar com aquela amiga
da natação."

MARIANA
"É mentira."

GUILHERME
"Como você sabe?"

MARIANA
"Aquela mulher estranha veio
aqui."

GUILHERME
"Relax, eu vou ter uma conversa
de verdade com a sua mãe, ok?"



EXT.RUA-NOITE

De noite, Lolita está na rua com o Desembargador e Amália.
Os três usam roupas escuras. A rua está muito escura.

DESEMBARGADOR
Até que é bom que tenham
queimado tantas lâmpadas nesta
rua. Facilita o nosso
trabalho...

AMÁLIA
Deve ter sido para roubar toca
fitas.

LOLITA
Com certeza. Os toca-fitas do
carros parados na calçada...

Os três riem e continuam andando.



INT.BAR-NOITE

Bruno, Guilherme e Milene estão sentados numa mesa de um
bar na calçada. Guilherme está com o celular na mão,
discando. Milene aproxima sua cadeira da de Guilherme. Há
algumas bolachas de chope sobre a mesa. O garçom coloca
mais um chope na frente de cada um.

MILENE
Mas essa happy hour se deve a
quê, chefinho?

BRUNO
A gente está comemorando uma
novíssima fase na agência,
Milene. Um brinde a nós.

Os três brindam. Guilherme coloca o copo na mesa, sem
beber, pega o celular de novo e disca. Milene segura o
braço de Guilherme e aponta para o copo.

MILENE
Dá azar, chefe!

GUILHERME
(com o celular no ouvido)
O quê, Milene?

MILENE
Brindar e não beber...

Guilherme sorri. Sempre com o celular no ouvido, brinda
outra vez com Milene e toma um gole.

BRUNO
Ih, senti um clima... Vou deixar
vocês aí e voltar para o
escritório que ainda tenho o que
fazer.

Bruno se levanta antes que Guilherme possa protestar e SAI.
Milene ri e chega mais perto de Guilherme.



EXT.RUA-NOITE

Lolita, o Desembargador e Amália estão escondidos na
esquina, olhando para um restaurante. Na frente dele, os
manobristas vão estacionando os carros na calçada. O
celular de Lolita TOCA.

DESEMBARGADOR
Shiiiii. Desliga isso.

LOLITA
Desculpa.

Lolita vê que foi Guilherme que ligou e desliga o celular.

LOLITA
(para si mesma)
Só mais essa vez.

Na outra calçada, passam Monica e Joana. Lolita vê a filha,
mas não chama.



INT.HALL DO APARTAMENTO DA FESTA-NOITE

Joana e Monica descem do elevador.

JOANA
Ai, Mô, nem sei se eu quero
entrar.

MONICA
Que é isso? Você vai encarar
esses canalhas de frente. E
mostrar pro Silvio que você não
está nem aí! Deve estar cheio de
gatinho aí.

Joana sorri. Monica toca a campainha.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-NOITE

Bruno está novamente em seu escritório checando documentos
e fazendo contas e anotações. Ele entra na página do banco
na internet e anota alguns números e datas. Depois vai até
a mesa de Milene e remexe nas gavetas. Ele se senta na mesa
de Milene e começa a ler alguns documentos.

BRUNO
(murmura para si mesmo)
Filha de uma puta, filha de uma
puta!



INT.APARTAMENTO DA FESTA-NOITE

Monica e Joana ENTRAM no apartamento, que já tem bastante
gente. Elas ficam olhando Silvio beijar Bianca. Bianca fala
algo para Silvio e SAI. Silvio se aproxima de Joana.

SILVIO
Como vai a madame pureza?

JOANA
Você é um babaca idiota.

SILVIO
Bem que você gostou...

Joana tenta se afastar. Silvio chega mais perto dela.

SILVIO
Mas eu só gosto de mulher sem
frescura, tá?

Bianca se aproxima e Silvio a abraça. Os dois se afastam.

JOANA
(alto)
Gosta de mulher burra, isso sim!



EXT.BAR-NOITE

Guilherme e Milene continuam no bar. Há um grande número de
bolachas na mesa, indicando que os dois já tomaram muitos
chopes. Guilherme coloca o celular em cima da mesa.

GUILHERME
Desisto.

MILENE
O que foi, chefinho? Você já
ligou umas mil vezes!

GUILHERME
Minha mulher sumiu.

MILENE
(faz biquinho)
Que bom, chefe, ela sumiu mas eu
estou bem aqui...

Guilherme ri. Milene coloca a mão na perna de Guilherme.
Guilherme olha para ela e tira a mão, que segura na sua.

GUILHERME
(rindo)
Pára com isso, Milene. Eu sou
casado.

MILENE
Ah, chefe, mas não está morto.
Burro amarrado também pasta,
sabia? Passarinho preso é que
come alpiste...

Guilherme ri. Milene fala alguma coisa em seu ouvido.
Guilherme fecha os olhos e sacode a cabeça fazendo que não.
Ela fala de novo, bem de perto, depois começa a beijar a
orelha de Guilherme. Ele afasta a cabeça, ela insiste, puxa
sua cabeça para perto dela e começa a beijá-lo.
Depois, Milene coloca de novo a mão na coxa de Guilherme e
vai subindo em direção à virilha. Guilherme fecha os olhos.



EXT.RUA-NOITE

Escondidos, o Desembargador, Amália e Lolita acomodam
grandes pregos sob os pneus dos carros parados na calçada.
Lolita coloca um sob o pneu de um utilitário preto. Então,
eles ouvem vozes. O Desembargador faz um sinal e os três
vão para o outro lado da rua e se escondem na esquina.

DESEMBARGADOR
Acho que já deu por hoje.

LOLITA
É... É melhor parar. Essa missão
é meio arriscada. Eu vou pra
casa, gente. Boa noite.

Lolita sai andando rapidamente.

DESEMBARGADOR
Boa noite. Nos vemos amanhã?

AMÁLIA
Amanhã, então. Boa noite.

Amália segue Lolita e a alcança. O Desembargador vai para o
outro lado. No caminho, ele aproveita para arrancar todas
as flores da floreira do restaurante, que ocupa parte da
calçada.



INT.QUARTO DE JOANA-NOITE

Joana está deitada na cama, chorando.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-NOITE

Bruno está no telefone com vários papéis espalhados sobre a
mesa.

BRUNO
(para si mesmo)
Atende, cara, atende. Você tem
que ver isso.



INT.QUARTO DE MOTEL-NOITE

Guilherme e Milene estão na cama nus. Guilherme liga o
celular e ele TOCA.

GUILHERME
Oi, Bruno. O que foi?... Mas
agora?... Mas... o quê?...
(Guilherme olha para Milene) Tá
bom, não, não, tudo bem. Eu tô
indo.

Guilherme desliga o celular, levanta da cama e começa a se
vestir.

GUILHERME
Eu preciso ir.

MILENE
Era o Bruno? O que ele queria?

GUILHERME
Não disse. Se arruma aí.

MILENE
Mas você vai pro escritório? Eu
vou com você.

GUILHERME
Não, eu te deixo num táxi.



INT.ESCRITÓRIO DO APARTAMENTO DE LOLITA-NOITE

Lolita escreve no orkut que eles encontraram uma forma
ainda mais radical de penalizar os carros parados na
calçada. Mariana aparece na porta do escritório.

MARIANA
Mãe, a Joana tá chorando.

LOLITA
É, filha? O que aconteceu com
sua irmã?

Mariana dá de ombros.

LOLITA
Daqui a pouco eu vou lá.

MARIANA
O papai falou com você?

LOLITA
Nem vi seu pai hoje. Ele deixou
um recado dizendo que ia sair
com o Bruno. Ele queria falar
comigo sobre o quê?

MARIANA
Nada, mãe, nada. Esquece. Eu vou
dormir. Boa noite.



INT.AGÊNCIA DE GUILHERME-NOITE

Guilherme e Bruno estão na sala de Bruno.

GUILHERME
Cara, eu não acredito.

BRUNO
Eu me toquei mesmo depois que o
moleque deixou a conta da Syrus
aqui. Ela veio com um papinho
furado de que eles tinham
mandado a conta por engano, que
ela já tinha resolvido tudo...

GUILHERME
Típico.

BRUNO
É... Mas eu liguei lá e passei a
noite inteira investigando. Eu
chamei pro chope só pra tirar
ela daqui.

GUILHERME
A gente foi pro motel.

BRUNO
O quê??? Eu sabia! A Milene
convence até morto.

Guilherme está olhando para o chão.

BRUNO
Tudo bem, pelo menos você comeu
antes da gente mandar essa vaca
filha da puta pra puta que o
pariu, que é o lugar onde ela
merece passar o resto vida! Você
acredita que o dinheiro do
Weismann foi depositado no dia
certinho? Ela ganhava nos juros,
usava a grana pra pagar as
contas dela... Fazia o diabo,
Guilherme!

GUILHERME
No nosso nariz... É
inacreditável!



INT.QUARTO DE JOANA-NOITE

Lolita abre devagar a porta do quarto de Joana e coloca a
cabeça para dentro. A luz está apagada.

LOLITA
(baixinho)
Jô, você está acordada.

Joana fecha os olhos e não responde. Lolita SAI e fecha a
porta.



INT.QUARTO CASA DE MILENE-NOITE

Milene ENTRA num quarto escuro. Uma das camas está ocupada
por uma moça. A outra está vazia. Milene senta nessa cama,
acende o abajur e chama a moça.

MILENE
Rosa, acorda, Rosa. Eles
descobriram tudo!

Rosa se senta na cama.

ROSA
Seus chefes descobriram? Como?

MILENE
E eu é que sei? Mas chegou a
hora da gente chamar aquele
jornalista amigo seu... A gente
entrega todas as falcatruas.



EXT.LAGO-DIA

Lolita viaja no barco, sozinha, olhando a margem da qual
saiu, cada vez mais imunda. Ela não vê o barqueiro, outras
pessoas ou os patinhos. Agora há apenas montanhas de lixo e
muita neblina em volta dela.

O telefone TOCA várias vezes dentro do sonho.



EXT.CARRO DE GUILHERME-NOITE

Guilherme está dirigindo na Lagoa e vê um acidente. Há
carros de polícia, bombeiro e ambulância no local.
Guilherme vai passar reto, mas vê o utilitário preto,
encosta e DESCE do carro.



EXT.LAGO-DIA

Lolita viaja sozinha no barco. Ela está muito feliz por
deixar para trás aquele monte de lixo, mas quando se vira
para olhar a outra margem, vê que do outro lado não há mais
nada. Desesperada, ela olha em volta e agora há apenas
água.



INT.QUARTO DE LOLITA-NOITE

Lolita acorda assustada e começa a chorar.



EXT.RUA-NOITE

Guilherme vê Evandro inconsciente, sendo levado de maca
para uma ambulância, e um enfermeiro cobrindo o rosto de
Renata, que está em outra maca, com um lençol. Guilherme
fica desesperado e segura o braço de um POLICIAL.

GUILHERME
O que aconteceu?

POLICIAL
Você conhece esses aí?

GUILHERME
São meus amigos.

POLICIAL
O pneu estourou.

O policial se afasta e Guilherme fica por ali, chorando em
meio às luzes, à fumaça e ao barulho das sirenes.

FIM

27/11/05